Instrumentos financeiros podem ajudar na expansão sustentável da soja no Cerrado
O bioma tem 18,5 milhões de hectares já desmatados que podem ser utilizados para o plantio de soja.
- Número é mais do que o dobro dos 7,3 milhões de hectares necessários para garantir a demanda crescente por pelo menos dez anos;
- Instrumentos financeiros podem auxiliar no desenvolvimento de uma nova economia para a soja, atendendo à demanda do mercado por produtos mais sustentáveis
A organização ambiental The Nature Conservancy (TNC) mostra, em estudo, que é possível garantir o aumento de produção de soja no Cerrado sem desmatar a vegetação nativa, ao utilizar áreas de pastagem subutilizadas e com aptidão agrícola.
A partir da análise da dinâmica do uso da terra para a expansão de soja neste bioma, executada em parceria com a consultoria Agroicone, o estudo mostra que há mais de 18,5 milhões de hectares de pastagens no Cerrado adequadas à produção de soja, número que corresponde a mais do que o dobro dos 7,3 milhões de hectares que serão necessários, nas condições atuais de mercado, para garantir a expansão por pelo menos dez anos. Além disso, o relatório indica uma combinação de ações para apoiar a intensificação da pecuária, liberando áreas de pastagens de baixa produtividade o que estimularia a conversão dessas áreas subutilizadas na produção de grãos.
Os dados ajudam a indicar uma alternativa para o problema do desmatamento avaliado no estudo: 38% da produção (cerca de 3,65 milhões de hectares) de soja colhida no Cerrado no ciclo 2016/2017 estava em terras cobertas por vegetação nativa em 1999, enquanto a área de produção do grão aumentou no total 9,6 milhões hectares - ou 128% - entre 2000 e 2017.
“Estamos comprometidos em construir caminhos e soluções para tornar a agricultura brasileira uma potência global na produção sem desmatamento, atendendo ao aumento esperado da demanda por alimentos de forma sustentável” aponta José Otavio Passos, especialista em negócios e investimentos na TNC Brasil, que conduziu o estudo.
O estudo conclui ainda que a expansão da soja em terras de pasto já existentes possui menor custo de implantação e maior produtividade do que a conversão de áreas de vegetação nativa em cultivo - já que é três vezes mais rápido atingir rendimentos máximos de colheitas em terras de pastagens já convertidas.
Quote: José Otávio Passos
A produção e a natureza estão diretamente relacionadas. Produtores, traders e setor financeiro, precisam trabalhar juntos para encontrar mecanismos que permitam garantir segurança alimentar conservando a natureza.
Instrumentos financeiros também podem ser usados para melhorar os retornos da produção de soja realizada em pastagens arrendadas ou adquiridas. Produtos financeiros, como financiamentos com prazos mais longos e custos mais interessantes para os produtores, podem ajudar a mudar a forma da expansão em favor dos modelos sem conversão de vegetação nativa e servir como complementos à crescente demanda do mercado por produtos mais sustentáveis. O modelo, então, estimula o financiamento para a aquisição e conversão de pastagens, em detrimento da aquisição de áreas preservadas.
A área do Cerrado é maior do que a soma dos territórios da Alemanha, Espanha, Itália, França e Reino Unido, ou quase cinco vezes o tamanho da Califórnia. É também uma das principais regiões agrícolas do mundo, considerada o centro da produção de alimentos nas últimas décadas. Mas, a expansão da pecuária e da agricultura levou à conversão de metade da vegetação nativa do bioma. E a perda de vegetação nativa deixa uma grande consequência em termos de emissões de carbono e ameaça a biodiversidade da região, como indica o estudo.
No Cerrado, epicentro da expansão da soja no Brasil, em uma parte do bioma, na área agrícola conhecida como Matopiba, que engloba parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, mais de 80% da expansão da soja nas últimas duas décadas ocorreu sobre a vegetação nativa. Ainda, segundo o estudo, esta região é a que abriga os remanescentes mais significativos do Cerrado nativo em terras privadas adequadas para a produção de soja, reunindo 45% da reserva legal excedente do Cerrado, o que representa 4,5 milhões de hectares.
“A produção e a natureza estão diretamente relacionadas. Diversos atores, como produtores, traders e setor financeiro, precisam trabalhar juntos para encontrar mecanismos que permitam garantir segurança alimentar, conservando a natureza”, afirma Passos. O especialista conclui que “para uma produção em quantidade, constância e qualidade adequadas, precisamos de sistemas resilientes o que depende da preservação do meio ambiente”.