O bagre dourado: Protegendo uma migração épica
A dourada migra por uma extensão de mais de 10 mil quilômetros nos rios da bacia Amazônica. Um movimento vital para o ecossistema e comunidades.
Por Matt Miller, diretor de comunicação de ciências
No início, a ideia de Paulo Petry me fez refletir. Ele estava dizendo que precisamos de um panda para a Amazônia.
Mas Paulo, Cientista Sênior de Água Doce para a América Latina na The Nature Conservancy (TNC), não estava falando de ursos pandas, no sentido literal. Ele estava fazendo uma relação com a fauna do rio Amazonas. A maioria dos especialistas em conservação reconhece que a Amazônia é uma região importantíssima para a biodiversidade, mas o foco geralmente está nos sistemas florestais. No entanto, ao ser perguntado para citar espécies carismáticas de água doce, muitos amantes da natureza hesitarão. Não há elefantes nem ursos polares. Para aqueles que vivem fora da região amazônica, nem mesmo há um peixe icônico como, por exemplo, o salmão.
Mas na realidade, existem migrações de peixes na Amazônia que fazem as migrações de salmão parecerem um pequeno mergulho na piscina.
Um desses peixes é a dourada, ou bagre dourado, um peixe que pode atingir o tamanho de até 120 cm e realiza o que provavelmente é a migração de peixe de água doce mais longa do planeta, alimentando comunidades e fazendo parte de mitos.
Paulo está em uma missão para entender a complicada história de vida do bagre dourado e utilizar essas informações para influenciar a conservação na bacia do rio Amazonas e em seus afluentes. Parte desse esforço é compartilhar a história desse peixe notável, que rendeu até um documentário.
Planeta dos bagres
Se você já arremessou um anzol numa linha de pesca, em quase qualquer lugar do planeta, é provável que esteja familiarizado com os bagres. Para os pescadores dos EUA por exemplo, diversas espécies de bagres são capturadas em lagoas comuns de fazendas, rios e reservatórios. Mas há todo um mundo de bagres além do bagre de canal que comeu sua isca.
Pode-se dizer, na verdade, que a Terra é um planeta de bagres. Eles são encontrados em todos os continentes, exceto na Antártida. Zeb Hogan, especialista em peixes de água doce, observa que um em cada 20 espécies de vertebrados é um bagre. Há bagres que engolem pombos nos arredores de Paris. Há bagres que vivem acima de 15.000 pés na cordilheira dos Andes e bagres cegos que vivem em cavernas profundas. Algumas espécies são importantes para a dispersão de sementes de frutas. Outros são carnívoros altamente especializados, verdadeiros predadores-chave. Eles estão associados a alguns dos maiores sistemas fluviais, como o Mississippi, o Mekong e o Congo. E a Amazônia.
A Amazônia é particularmente rica em bagres, com pelo menos 1.200 espécies, e várias novas estão sendo descritas a cada ano.
“No mundo, eles variam de tamanho, desde 2 centímetros até mais de 2 metros”, diz Paulo. “Eles utilizam todos os habitats que você possa imaginar. Vivem em grandes canais de rios e florestas alagadas. Escavam em fundos de rios arenosos. Vivem em troncos. Estão em toda parte”. Existem 6 espécies na Amazônia rotuladas como “bagres-gigantes”, predadores de topo que atingem um tamanho significativo. O dourado é um deles, uma das espécies capazes de atingir um comprimento de 120 cm ou mais.
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“Eu realmente admiro esses peixes”, diz Paulo. "Eles têm um ciclo de vida complexo. Têm um sabor incrível. São um animal icônico nesse sistema de rio”.
“Eles também realizam uma migração épica, uma jornada que alimenta tanto os ecossistemas quanto as pessoas. Essa migração também os coloca em risco à medida que a bacia Amazônica é desenhada para a energia hidrelétrica, pois os bagres dependem de rios abertos e de fluxo livre.”
A Grande Migração de Peixes
Há muito tempo se sabe que o bagre dourado realiza migrações longas desde as nascentes até o delta do Amazonas. No entanto, mapear cientificamente uma migração como essa era uma tarefa difícil.
Na década de 1970, foram feitas tentativas de marcar peixes e rastreá-los por meio de recapturas, uma tática comum na ciência pesqueira. Mas em um sistema tão extenso, muitos peixes precisariam ser rastreados para obter dados de recaptura adequados. Nesse caso, a estimativa era de que 100.000 peixes precisariam ser marcados - algo inviável na época para um estudo científico.
Os avanços na tecnologia de monitoramento biológico foram um divisor de águas. Paulo liderou um projeto, em colaboração com a Wildlife Conservation Society e instituições de pesquisa locais, focado no DNA ambiental (ou eDNA), o DNA que um organismo deixa na água por meio de fezes, pele ou outra matéria biológica.
Os esforços de pesquisa descobriram que o bagre dourado pode migrar distâncias de até 10 mil quilômetros, mais longas do que qualquer outro peixe já registrado. Os peixes nascem nas nascentes da região amazônica do planalto andino, em seguida, migram como larvas pelo rio Amazonas até onde o grande rio encontra o mar. Quando adultos, eles retornam para se reproduzir.
Esses predadores de topo não apenas moldam profundamente o ecossistema, mas também são essenciais para as comunidades amazônicas.
“Esses peixes são de extrema importância para as comunidades ao longo de sua migração”, diz Paulo. “Parte de nosso objetivo com o documentário que criamos é mostrar como as comunidades dependem do bagre dourado”.
Paulo enfatiza que ainda há muito a aprender sobre o bagre dourado e sua migração. Os pesquisadores ainda não conhecem o mecanismo de orientação que os bagres usam para encontrar suas águas natais. É necessário entender a estrutura e a dinâmica populacional. E isso não serve apenas para responder a uma interessante questão de história natural. Isso ajudará os conservacionistas a protegerem melhor o bagre dourado, os ecossistemas e as comunidades que dependem dele.
Um Sistema Transformado
A bacia amazônica está passando por um boom acelerado no desenvolvimento de hidrelétricas. As represas construídas podem potencialmente interromper as migrações do bagre dourado e de outros peixes, alterando todo um ecossistema. “Sempre que uma barragem ou represa é construída em um rio, ocorre uma transformação completa do sistema”, diz Paulo.
A TNC e outras organizações estão procurando maneiras de atender às necessidades de energia ao mesmo tempo em que protegem as migrações de peixes, os ecossistemas e as comunidades que dependem deles. Isso inclui uma abordagem chamada "hidrelétricas planejadas", basicamente identificando as represas onde se têm o menor impacto ecológico e cultural.
É aí que entram em jogo os dados sobre a migração e a história de vida do bagre dourado. Ao conhecer as rotas de migração, onde os peixes se reproduzem e de qual habitat eles precisam durante todas as fases de suas vidas, os especialistas em conservação podem direcionar as hidrelétricas para áreas onde haverá menos impactos negativos.
“Com a construção atual de represas, estamos perdendo algumas populações de peixes antes mesmo de entendê-las”, diz Paulo. “Estamos perdendo diversidade evolutiva. Precisamos dedicar tempo e esforço para entender esses peixes para minimizar esses impactos”.
Paulo acredita que a pesquisa pode orientar um futuro melhor. “Para mim, o objetivo final é criar soluções com as quais garantamos a viabilidade das populações desses peixes”, diz ele.
O bagre dourado é apenas uma espécie em uma bacia com um ecossistema amplo, diverso e complexo. A Amazônia é lar de mais de 2.700 espécies conhecidas de peixes. Mas pesquisar a espécie e proteger sua migração tem benefícios maiores do que apenas para uma criatura.
“Estamos focando nesse bagre”, diz Paulo. “O bagre não existe isoladamente. Ele existe em contexto com muitas outras espécies. Se ele sobrevive, as outras espécies também sobrevivem”.