O poder da bioeconomia no desenvolvimento social e sustentável de comunidades na Amazônia
A América Latina avança em transformações com efeitos positivos sobre as mudanças climáticas, a natureza e as pessoas.
Por Paula Caballero, Diretora da TNC América Latina, e Juliana Simões, Gerente Adjunta de Comunidades da TNC Brasil.
Embora existam diferentes visões sobre bioeconomia, o tema ganhou mais força depois que passou a ser inserido nas políticas de desenvolvimento econômico da União Europeia, que vem desenvolvendo a transição gradual de uma economia dependente de combustíveis fósseis para um modelo baseado em insumos biológicos. Mesmo sem um consenso sobre o conceito de bioeconomia, a movimentação dos países da América Latina é crescente principalmente na região amazônica, que vem formulando políticas e mecanismos financeiros de fomento a gestão eficiente dos recursos naturais disponíveis. Com o objetivo transformar a realidade de comunidades e avançar na urgente mudança econômica e energética e, consequentemente, gere efeitos positivos sobre as mudanças climáticas, a natureza e as pessoas.
Apesar de esforços ainda tímidos, é evidente que a bioeconomia é uma poderosa ferramenta no desenvolvimento sustentável dos modelos produtivos, com expectativa de atingir o montante de US$ 30 trilhões até 2050, de acordo com o documento, A Bioeconomia Global, organizado pela Nature Finance e Fundação Getúlio Vargas – com o apoio The Nature Conservancy (TNC) e outras 18 organizações. O estudo traz um status da bioeconomia entre os países membros do G20 com o objetivo de evidenciar a importância de olhar para o assunto pela perspectiva da biodiversidade e da equidade.
Neste cenário, os países ricos em natureza têm um importante papel e o Brasil ocupa uma posição privilegiada por abrigar 58% da Floresta Amazônica, somado ao fato de possuir a maior diversidade biológica do planeta. Diante dessa nova fronteira do pensamento econômico e da necessidade de preservar a biodiversidade, as soluções climáticas naturais são importantes aliadas ao melhorar o manejo do solo, proteger e restaurar a natureza. Combinadas com a substituição de combustíveis fósseis por fontes biológicas renováveis, as soluções climáticas naturais apresentadas na agricultura regenerativa, por exemplo, são escolhas rápidas e efetivas para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que apoiam a melhoria de vida das comunidades locais.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 80% da biodiversidade mundial está sob o manejo de povos indígenas e comunidades tradicionais. Estima-se que estes grupos detenham conhecimento sobre o uso de cerca de 20 mil espécies de plantas medicinais, representando aproximadamente 80% do abastecimento global de medicamentos à base de plantas. A ciência ocidental não é suficiente para solucionar problemas socioambientais e o conhecimento de povos indígenas e comunidades locais é de extrema relevância para o desenvolvimento econômico e não pode ser ignorado, sem perder de vista a perspectiva dos direitos destes povos.
Na América Latina, a Costa Rica foi o primeiro país a publicar uma estratégia nacional dedicada à bioeconomia, em agosto de 2020. Deste então, a transição para uma economia baseada na biodiversidade tem ajudado a impulsionar o turismo ecológico e a agricultura orgânica do país, reduzindo a pressão sobre os ecossistemas mais frágeis. De forma similar, o Peru tem explorado a bioeconomia para promover a conservação da floresta amazônica, enquanto cria oportunidades econômicas para comunidades indígenas, incluindo o fortalecimento da agricultura sustentável e o incentivo à bioprospecção responsável.
Já a Colômbia conta com o “Foro Nacional de Bioeconomia” e confirmou adesão à proposta de fundo para proteção de florestas tropicais proposto pelo Brasil em 2023, durante a COP28, em Dubai. A partir de organismos extremófilos, uma bactéria que se alimenta de metais e não oferece nenhum risco aos humanos ou à natureza, o Chile empregou com sucesso a biometalurgia na mineração de cobre para extrair metais de uma forma mais rentável e com menos impacto, ao mesmo tempo que reduziu os resíduos provenientes de rejeitos de minério.
Enquanto isso, na Amazônia do Brasil, o estado do Pará foi pioneiro no planejamento de um Plano de Bioeconomia com significativos resultados nas iniciativas de sociobiodiversidade. Um termo novo para um conceito antigo, a inserção do prefixo 'socio' antes de 'bioeconomia' destaca a relevância e o papel central das comunidades florestais – populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, e outros grupos detentores de conhecimento tradicional –, que desempenham um papel fundamental na produção de recursos e na conservação do meio ambiente e da floresta.
Com foco na prosperidade da natureza e das pessoas, o plano conta com três pilares: pesquisa, desenvolvimento e inovação; patrimônio cultural e patrimônio genético; e cadeias produtivas e negócios sustentáveis. O estado é líder na produção e exportação de produtos da sociobioeconomia do Brasil, um modelo de produção que reconhece a importância da gestão ambiental por parte das comunidades locais, dos Povos Indígenas e agricultores familiares. Apenas em 2019, 30 cadeias de produtos da sociobioeconomia do Pará, geraram cerca de R$ 5,4 bilhões em renda local e 224 mil empregos associados. O valor é quase três vezes maior do que o registrado pelas estatísticas oficiais do IBGE (2019), que indicavam um valor bruto de produção de R$ 1,9 bilhão no mesmo ano, que considera apenas a produção rural, primeiro elo da cadeia produtiva. Esses dados foram gerados pela pesquisa realizada pela TNC, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura. Adicionalmente, a análise estima uma receita projetada de R$ 170 bilhões até 2040, com investimentos em políticas públicas adequadas, como regularização fundiária, financiamento e assistência técnica.
De fato, os sistemas agroalimentares sustentáveis e resilientes, oferecem oportunidades de negócio significativas e sem gerar impactos negativos na natureza. O relatório “O Futuro da Natureza e dos Negócios” (2020), do Fórum Econômico Mundial, estima uma receita anual de US$ 3,6 trilhões por meio da transformação destes sistemas de produção. Sendo que mais da metade destas oportunidades estão na América Latina e países de baixa renda.
Momento oportuno para a América Latina que tem a chance de protagonizar essa transformação, colaborando para moldar um futuro economicamente sustentável e socialmente mais inclusivo.
Não é à toa que a principal inovação da presidência brasileira na pauta dos encontros do G20 é a bioeconomia, assunto inédito entre o grupo. Temos diante de nós a tarefa de reforçar a necessidade de uma estratégia unificada de bioeconomia, com conceitos, critérios e métricas bem definidas e compartilhadas, que possibilitem o uso responsável dos recursos naturais e o desenvolvimento sustentável e equitativo entre os países. A partir deste consenso caberá a cada país desenvolver suas próprias políticas e planos, conectando as atividades que estão dentro da bioeconomia e sociobioeconomia gerando benefícios econômicos, sociais e ambientais duradouros.
Publicado originalmente em El País
07 de junho de 2024
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