Vinícius Uchoa funcionário da prefeitura de Extrem, em área de platio. © Robert Clark

Artigos e Estudos

Plantando Água

Porque proteger e restaurar florestas é uma das melhores coisas que qualquer governo pode fazer pela população.

Por Rubens Benini ,Gerente de Restauração na TNC Brasil e América Latina

TÓPICOS PRINCIPAIS

  • Perda de floresta não é só uma questão ambiental, mas também causa impactos sociais, econômicos e políticos.
  • Proteger e restaurar florestas pode aumentar a segurança hídrica, alavancar a economia rural e mitigar mudanças climáticas.
  • Um projeto na Serra da Mantiqueira demonstra como governos podem trabalhar para alcançar esses benefícios.

Diante de um futuro incerto e recursos limitados, onde os governos devem investir para garantir o bem-estar dos seus cidadãos? Emprego? Segurança Pública? Educação? Segurança hídrica? Serviços de saúde?

Todas essas questões são permanentes. Os salários estão estagnados para a maioria das pessoas. A satisfação no trabalho diminuiu e um número crescente de pessoas em idade ativa não consegue emprego. Enfrentamos um colapso ambiental que afeta o clima, os oceanos, a água doce, além de toda vida que depende deles.

Um relatório recente do United Kingdom’s Institute of Public Policy Research sugere que a combinação de aquecimento global, infertilidade do solo, perda de polinizadores e acidificação oceânica está criando um novo e preocupante risco, subestimado pela maioria dos governantes, mas que representa a maior ameaça para a sociedade em toda a história da civilização.

Todos os desafios estão interligados. A deterioração de uma infraestrutura natural dada como garantida - clima previsível, solos férteis e a água doce - tem um efeito secundário na saúde, na geração e distribuição de renda, na desigualdade e na migração, o que por sua vez ameaça a estabilidade social e política.

As conexões entre esses desafios apontam para um caminho. Diminuir o desmatamento ilegal e plantar árvores em escala é uma das medidas mais eficazes e comprovadas cientificamente que os governos podem adotar para enfrentar vários desafios.

ASSISTA AGORA: A Mata Atlântica é um hot spot da conservação, onde 90% da floresta já foi desmatada. Veja como um município da região está restaurando florestas e está colhendo benefícios.

Vídeo: Plantando Água (5 min) A equipe da TNC e parceiros locais falam sobre as conexões entre restauração de florestas, mudançcas climáticas, segurança hídrica e economia rural no Brasil

Sendo um dos maiores exportadores de commodities do mundo, como carne bovina e soja, além de abrigar uma imensa biodiversidade, o Brasil pode ser visto como um piloto e como uma liderança para os demais, no que concerne à produção de alimentos e manutenção de seus recursos naturais.

Por exemplo, o projeto Conservador da Mantiqueira, em desenvolvimento, que abrange uma área superior ao tamanho de Portugal (100.000Km2). Parte dessa geografia é ladeada pelas maiores regiões metropolitanas do Brasil - Rio de Janeiro, São Paulo e Vale do Paraíba, que abrigam, em conjunto, mais de 30 milhões de habitantes. Muitos deles dependem das florestas, como sistemas naturais de armazenamento e filtragem para fornecimento de água.

A forest restoration area in Extrema, Brazil
Extrema-MG Cachoeira do Salto Grande, no município de Extrema-MG. © Greenpoint Innovations/TNC

Desde 2005, instituições locais da Mantiqueira têm trabalhado em parcerias com diversos stakeholders para proteger as bacias hidrográficas que abastecem a região metropolitana de São Paulo. Como exemplo, o município de Extrema, em Minas Gerais, construiu um modelo usando fontes de financiamento público para incentivar a restauração por meio de pagamentos por serviços ambientais, o Projeto Conservador das Águas. Como esse sucesso de reflorestamento pode ganhar dimensão e ser replicado?

Primeiramente, é essencial identificar as terras com baixa aptidão agrícola e subutilizadas que podem ser oferecidas para restauração florestal na região de influência da Serra da Mantiqueira. Uma avaliação cruzada do que exige a Lei Florestal, dos custos de oportunidade de terras e do potencial de auto regeneração da vegetação nativa ajuda a mapear as áreas degradadas que podem ser revertidas com a maior facilidade e menor custo.

Depois, é preciso identificar mercados viáveis ​​baseados em produtos que podem vir de áreas em restauração. A restauração de florestas nativas, com viés econômico, pode se tornar financeiramente atraente para os proprietários de terra da região. Quando realizada com esse olhar,  traz uma nova “economia da restauração”, ajudando a impulsionar um ciclo capaz de mudar o uso da terra em milhares de hectares.

A worker prepares a sapling to be planted in a restoration area of Extrema, Brazil
Plantio em Extrema-MG Trabalhadores do projeto Conservador das Águas plantando mudas em áreas próximas a topos de morros. © Felipe Fittipaldi

Também é necessário criar incentivos, o que é crítico onde a restauração florestal não é vista como prioritária. Para torná-la possível, ao mesmo tempo em que se estimula o cumprimento da Lei Florestal, é necessário fornecer incentivos, como o pagamento por serviços ambientais. Isso atrai o interesse de produtores rurais, o que ajuda a financiar mais restauração das florestas.

Uma vez identificada a necessidade (demanda) da restauração, o lado da oferta também cria oportunidades econômicas de geração de emprego e renda. Fazer uso da terra de maneira inteligente resulta em melhor qualidade do solo, uso mais eficiente de agroquímicos e maior quantidade de polinizadores.  Uma vez com solos mais férteis, a produção de commodities e a própria recuperação de florestas criarão mais empregos e ajudarão a aprimorar a produtividade. Além disso, a água proveniente da Serra da Mantiqueira alimenta a usina hidrelétrica de Furnas.  A manutenção dos reservatórios de água, por meio de redução de sedimentos, ​​significa geração de energia mais confiável, menor volatilidade e menos riscos nos negócios relacionados à geração energética.

O trabalho em conjunto é imprescindível. Em Extrema, uma parte do sucesso está nas parcerias. O governo local lidera um esforço para replicar sua experiência nos outros 283 municípios da região da Mantiqueira, o que depende de ação conjunta e muitos investimentos públicos e privados.

A worker plants a sapling in a reforestation area of Extrema, Brazil
Área de restauração em Extrema-MG Um trabalhador planta mudas em área de restauração de Extrema-MG. © Greenpoint Innovations/TNC

Para tanto, deve-se viabilizar o financiamento público necessário para alcançar a escala que vai gerar benefícios para a economia local. A conversão de multas ambientais para programas de restauração pode destravar uma parte significativa dos US$5 bilhões estimados para restaurar 1,2 milhão de hectares, objetivo do Projeto Conservador da Mantiqueira, que representa 10% do compromisso brasileiro de restauração no Acordo de Paris, retirando da atmosfera 260 milhões de toneladas de dióxido de carbono nos próximos 30 anos. É muito importante que recursos dessa natureza, sirvam para de fato, trazer florestas de volta.

Sabemos que zelar pelos recursos naturais beneficia as pessoas e protege a economia do país. A proteção e restauração das florestas vai gerar emprego e renda, acelerar o crescimento econômico e o potencial do país em se tornar o celeiro do mundo, não apenas em produção de alimentos, mas também em produtos florestais e serviços ambientais.

*Artigo originalmente publicado na Veja, em 21/03/2019.

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