Os riscos de um novo desabastecimento hídrico
Em 2018, uma nova ‘luz amarela’ se acende pelas poucas chuvas registradas até agora.
Por Samuel Barrêto
Embora o Brasil tenha quase 13% da reserva de água de todo o planeta, a sua distribuição é desproporcional à concentração populacional. Muitos mananciais estão com padrões de qualidade e quantidade ameaçados. A Agência Nacional de Águas alerta que nove Estados ultrapassaram ou estão no limiar do déficit hídrico. Ainda há um alto nível de desperdício de água: estimativas do Instituto Trata Brasil mostram que, em média, 37% da água se perde entre a captação e a distribuição final. O desperdício equivale ao investimento anual em saneamento no País, de R$ 8 bilhões.
O atual e preocupante cenário vivenciado pelos recursos hídricos vem causando sérios impactos financeiros em diversos setores da economia. O Banco Mundial alerta que haverá um declínio de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) nas taxas de crescimento até 2050 em razão das perdas dos recursos hídricos – impactando vários setores da economia.
Há três anos, na Região Sudeste, os paulistanos sofreram com uma seca 50% mais severa do que a pior registrada até então, entre os anos de 1953 e 1954. Desde que o Sistema Cantareira foi construído, na década de 1970, em 2014 foi a primeira vez que o “volume morto” foi acessado. E mesmo após acessar a segunda cota deste volume, em janeiro de 2015 o nível do reservatório era de 5%, ampliando ainda mais o risco de abastecimento humano na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A crise afetou diretamente as pessoas, a geração de energia em várias usinas hidrelétricas, a navegação, a atividade industrial, a atividade agrícola e ainda teve um grande impacto social e econômico.
Na RMSP, as medidas adotadas pelo governo foram desde dar um bônus de 30% na conta de quem reduzisse em 20% o consumo até multar quem o aumentasse, além de reduzir a pressão das tubulações à noite e realizar o manejo entre os mananciais para compensar a retirada de água do Cantareira. O engajamento da população fez com que se economizasse o equivalente ao consumo de quase três cidades com o porte de Campinas.
Em 2018, uma nova “luz amarela” se acende pelas poucas chuvas registradas até o momento na RMSP. O Sistema Cantareira operava no final do mês de julho com 39,6% de sua capacidade, nível inferior ao mesmo período em 2013 – ano que antecedeu a crise hídrica. E, apesar de o abastecimento ter sido melhorado e aumentado com os aportes do Sistema de São Lourenço e do Rio Paraíba do Sul, o risco hídrico não desapareceu.
Teremos uma nova crise hídrica como a de 2014 e 2015? Talvez não cheguemos a esse ponto, mas o risco hídrico aumentou. Algumas bacias hidrográficas do Estado de São Paulo, como as do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), a do Médio Tietê (Região de Sorocaba/Itu), a do Mogi-Guaçu (Região de Ribeirão Preto) e a do Paraíba do Sul, encontram-se em situação mais preocupante do que a região metropolitana. A RMSP está numa situação um pouco melhor em razão das intervenções realizadas pelo governo do Estado por meio das obras de interligação de bacias e do aporte do sistema produtor do São Lourenço. Na bacia do PCJ, por exemplo, um primeiro município já entrou em racionamento de água. E pelo menos neste próximo mês e meio, mesmo que a precipitação mantenha o volume das médias históricas, não teremos um alívio nos sistemas de produção de água, porque o volume de chuva esperado é pequeno. E mesmo a chuva destes dias não é suficiente.
Será preciso equilibrar a gestão da demanda com a da oferta de água, combinando obras de engenharia para o fornecimento de água, para a despoluição das bacias hidrográficas e para a redução das perdas físicas com outras medidas como as soluções baseadas na natureza. No campo da gestão da demanda, promover a viabilidade econômica do reúso e de medidas eficientes no uso doméstico, industrial, na agricultura e nas demais atividades que dependam da água. A segurança relacionada aos recursos hídricos começa com a garantia e a boa governança na gestão desses recursos.
Unindo a expertise científica com mecanismos financeiros e de governança, a The Nature Conservancy (TNC) identificou 25 áreas metropolitanas na América Latina – 12 das quais no Brasil – sob risco hídrico e onde a infraestrutura verde apresentaria melhores resultados. Em 2015, a TNC criou a Coalizão Cidades pela Água – uma plataforma de ação coletiva que une os esforços da organização com o setor privado na busca da segurança hídrica dessas regiões, que representam 31% da população brasileira e 45% do PIB nacional.
No Brasil, já fazem parte empresas como Ambev, Coca-Cola Femsa, PepsiCo, Fundación Femsa e Klabin. Apoiam a iniciativa Kimberly-Clark, Faber-Castell, Arcos Dourados, McDonald’s, Unilever, Procter&Gamble, Bank of America Merrill Lynch e Praxair. Cerca de 30 mil hectares já foram restaurados nas cabeceiras de bacias hidrográficas, com mais de 2.500 famílias beneficiadas. Ao longo destes anos foram alavancados cerca de R$ 200 milhões nos projetos em seis regiões metropolitanas: Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Belo Horizonte e Espírito Santo, com uma população aproximada de 27 milhões de habitantes.
Para combater o risco de desabastecimento hídrico é preciso promover uma nova cultura da água com a participação mais efetiva da sociedade, do setor privado e dos governos. Atuamos para promover soluções inovadoras com base científica para proteger, conservar e restaurar os ecossistemas naturais. Transformar a maneira como as pessoas, os governos e as empresas utilizam e conservam os recursos naturais, encorajando o estabelecimento de políticas públicas e incentivos econômicos voltados para a conservação ambiental. Inspirar a sociedade para proteger e investir em soluções baseadas na natureza e, com isso, contribuir com os governos na agenda de conservação por meio de iniciativas pragmáticas que visem a ampliar a segurança hídrica no Brasil.
Samuel Barrêto é Gerente de Segurança hídrica da TNC Brasil em São Paulo.