Artigos e Estudos

O potencial e as vantagens dos sistemas agroflorestais na luta contra as mudanças climáticas

Por Edenise Garcia, Diretora de Ciências da TNC Brasil.

Vista aérea de floresta © Denys Costa

Num momento em que os esforços empreendidos para a mitigação das mudanças climáticas são considerados insuficientes para conter o aumento da temperatura global, a busca por alternativas efetivas e atrativas em larga escala se torna cada vez mais urgente. Entre estas alternativas, as agroflorestas – definidas como a incorporação e manutenção de árvores em sistemas agrícolas – se destacam por seu alto potencial de sequestro de carbono, além de sua contribuição direta para segurança a alimentar, equidade e biodiversidade, entre outros impactos positivos.

Estudo publicado na revista Nature Climate Change no último dia 28 de setembro, que contou com a participação de cientistas de vários países, inclusive do Brasil, indicou que os sistemas agroflorestais constituem potencialmente a maior contribuição do setor agrícola para o clima. Entre as soluções baseadas na natureza, o potencial de mitigação climática de agroflorestas é comparável ao de estratégias reconhecidas, como o reflorestamento. As agroflorestas mundiais podem estocar até 310 milhões de toneladas de carbono por ano, suficiente para compensar a emissão anual de gás carbônico gerada por aproximadamente 250 milhões de veículos a gasolina de porte médio. 

O estudo aponta lacunas para uma maior compreensão sobre a relevância climática desses sistemas. Esse conhecimento é fundamental não apenas para refinar as estimativas do potencial de mitigação das mudanças climáticas, como também para avaliar a distribuição atual e as oportunidades de expansão dos sistemas agroflorestais. A quantidade de carbono estocado em sistemas individuais apresenta uma grande variabilidade de um para outro, uma vez que as agroflorestas são muito heterogêneas em termos de escolha e densidade de espécies, condições do solo e bioclimáticas, tipo de manejo etc.

Existem também dificuldades para o mapeamento em larga escala, pois os sistemas agroflorestais são geralmente plantados em pequenas áreas, o que dificulta sua detecção com o uso de sensoriamento remoto baseado comumente em imagens de satélite de média resolução. As diferentes estimativas da área global ocupada por agroflorestas hoje variam bastante, de 400 milhões a 1.6 bilhão de hectares. Em regiões tropicais úmidas, nas imagens de satélite as agroflorestas maduras, com vários tipos de espécies arbóreas e com copas fechadas se confundem facilmente com florestas naturais. Por um lado, isso resulta numa subestimação da real abrangência desses sistemas e do carbono neles estocado. Por outro, reforça a importância ecológica das agroflorestas.

Além dos fatores acima, o histórico de implantação de agroflorestas constitui uma camada adicional a ser considerada no balanço de seus impactos para o clima. A conversão de uma floresta para a instalação de um sistema agroflorestal muito provavelmente levará a uma maior emissão que sequestro de gás carbônico da atmosfera. Por outro lado, o estabelecimento ou aumento de árvores numa área agrícola resulta em maior sequestro. Isso significa que dois sistemas agroflorestais podem parecer similares, mas o estabelecimento deles pode causar efeitos climáticos opostos. Dessa forma, nem todas as agroflorestas produzem necessariamente benefícios climáticos.

Para além de seu grande potencial de contribuição para a mitigação climática, os sistemas agroflorestais podem também aumentar o acúmulo de nutrientes e carbono no solo e atrair polinizadores, melhorando a produtividade e diversificando a geração de renda; fortalecer a resiliência climática de sistemas de produção de alimento; criar habitats e formar corredores ecológicos para a biodiversidade; atenuar extremos de calor e outros eventos climáticos; entre uma série de outros benefícios sociais que incluem geração de emprego, empoderamento de mulheres, diminuição da migração rural etc.

Em regiões onde a expansão da pastagem é uma causa importante de desmatamento, como no sudeste do estado do Pará, a implantação de sistemas agroflorestais com base em cacau em pastos abandonados de pequenos imóveis rurais está revertendo o ciclo de conversão da floresta, seguida de queimada para limpeza da área e plantio de pasto, que culmina, em poucos anos, com a degradação e o abandono da terra. Somente no projeto Cacau Floresta, iniciado há dez anos e que envolve 600 famílias, cerca de três mil hectares foram restaurados na região, dos quais dois mil com agroflorestas, obtendo uma redução de 83% no número de imóveis que apresentaram desmatamento após adesão ao projeto. Coordenado pela The Nature Conservancy do Brasil e com múltiplos parceiros de diversos setores, o Cacau Floresta é uma demonstração da necessidade de se endereçar inúmeros desafios – assistência técnica, políticas públicas e linhas de crédito específicas, acesso ao mercado, direito à terra, entre outros – para garantir e aumentar a participação de agroflorestas em soluções climáticas baseadas na natureza.

Finalmente, embora a implantação de sistemas agroflorestais esteja centralizada em pequenas propriedades rurais em diferentes partes do mundo, é preciso fomentar a expansão de sistemas agroflorestais viáveis mecanizados em grandes imóveis rurais, onde em geral predominam monoculturas, a fim de potencializar seus benefícios climáticos e para a biodiversidade e outros serviços ecossistêmicos.

 

Publicado originalmente em Revista Galileu
 02 de outubro de 2023
Ver Original