Artigos e Estudos

O laboratório da floresta

A bioeconomia da restauração pode ajudar a virar o jogo para a conservação da Amazônia.

Por Rodrigo Freire, Líder de Áreas Privadas na Amazônia.

Açaí Bioeconomia, promove conservação e gera renda para comunidades amazônicas, preservando a floresta em pé. © Priscila Tapajowara

O ano de 2025 mal começou e as mudanças climáticas seguem monopolizando as manchetes da imprensa no Brasil e no mundo, como os ventos com força de furacão que ampliam os focos de incêndio na Califórnia (EUA) ou as fortes chuvas em Santa Catarina. Nos EUA, só para ter uma ideia, a última vez que choveu na região a quantidade mínima para mitigar os incêndios foi em maio de 2024, aqui, o volume de chuvas em dois dias foi o equivalente esperado para cerca de 10 dias. As ramificações disso são brutais. Felizmente soluções vêm sendo desenvolvidas nas áreas de geração de energia limpa, produção de alimentos e mobilidade urbana através de mecanismos de baixa emissão de gases de efeito estufa, conservação e restauração de florestas.

Nesse contexto, a bioeconomia surge como um importante mecanismo de conservação e restauração da floresta amazônica, um conceito que mistura ciência, tecnologia e os modos de vida tradicionais que cuidam do maior tesouro natural do mundo. Nos últimos 40 anos, a Amazônia perdeu em torno de 20% de sua cobertura vegetal original, abrindo espaço, principalmente, para pastos de baixa produtividade. Estamos perigosamente próximos do ponto de não-retorno, quando o desmatamento pode comprometer de vez o papel vital da floresta no equilíbrio climático global. E é para mudar esta lógica e trazer uma alternativa viável ao desmatamento que surgem a economia e os negócios da restauração florestal a restauração ecológica. 

No centro desse movimento está a Aliança pela Restauração na Amazônia, uma rede de instituições e pessoas que reúne instituições públicas, privadas, acadêmicas e comunitárias com um objetivo claro: alavancar a restauração ecológica como pilar de desenvolvimento socioambiental. A Aliança não apenas fomenta a colaboração entre diferentes setores, mas também atua na elaboração de estratégias e políticas públicas que integram restauração, conservação, inclusão social e inovação econômica.

Uma das contribuições mais recentes da Aliança é a publicação Bioeconomia da Restauração na Amazônia, um guia que apresenta estudos de caso inspiradores e discute os caminhos para tornar a restauração uma oportunidade real de transformação. Com essa publicação, a Aliança reforça seu papel como articuladora de soluções que valorizam a biodiversidade e promovem o bem-estar das comunidades locais por meio da agenda de restauração florestal. 

Conforme demonstrado no estudo da Aliança, a bioeconomia da restauração não é só plantar árvores. Trata-se de um sistema econômico que une a recuperação de ecossistemas ao desenvolvimento social e econômico. Como? Por meio de produtos da floresta que vão muito além da madeira: sementes nativas, açaí, castanhas, óleos essenciais e até créditos de carbono.

Além de proteger a biodiversidade, essa abordagem gera empregos e renda para comunidades locais, como indígenas e quilombolas, que têm papel essencial nesse processo. Com a restauração, surgem também oportunidades para agricultores familiares, cooperativas e startups inovadoras, mostrando que é possível ganhar dinheiro enquanto se salva o planeta. 

Na Amazônia já existem iniciativas brilhantes que transformam teoria em prática. Redes de coletores de sementes nativas, como a Associação Rede de Sementes do Xingu, são essenciais para a restauração. Essas sementes dão origem a novas florestas e ainda garantem sustento para quem as coleta.

Outro exemplo vem das agroflorestas, onde cultivos agrícolas e espécies nativas coexistem. Projetos como o Café Apuí Agroflorestal, por exemplo, mostram que é possível produzir café de alta qualidade sem desmatar um único hectare. Esses sistemas produtivos são resilientes e economicamente viáveis, atraindo investidores interessados em sustentabilidade. 

E quem diria que o carbono poderia se transformar em lucro? Projetos como os desenvolvidos pela Mombak e re.green geram créditos de carbono ao restaurar áreas degradadas, vendendo-os para empresas que buscam compensar suas emissões (idealmente aquelas mais difíceis de serem imediatamente reduzidas).

Claro, nem tudo são flores. Há barreiras importantes como a infraestrutura, que é muitas vezes precária na Amazônia, a dificuldade de escoamento dos produtos ao mercado e a limitada de mão de obra qualificada. Mas a boa notícia é que essas dificuldades têm soluções: investimentos em melhorias na infraestrutura local, para otimizar o transporte e reduzir custos, em tecnologia, como drones para dispersão de sementes e monitoramento, e em educação, com centros profissionalizantes, podem fazer toda a diferença. 

Além disso, políticas públicas que incentivem o comércio justo e o pagamento por serviços ambientais são fundamentais. Nada mais justo do que recompensar as pessoas que preservam e restauram a floresta, e é isso que a bioeconomia da restauração propõe.

O sucesso da bioeconomia da restauração depende de um esforço coletivo, que vai do local ao global. Governos, ONGs, cientistas, setor privado, investidores e comunidades precisam trabalhar juntos para que a Amazônia continue sendo o coração pulsante do nosso planeta. 

O Brasil tem uma oportunidade única de liderar a restauração ecológica no mundo. Ao transformar a bioeconomia da restauração em política pública e atrair investimentos do setor privado e agências financeiras, podemos salvar a floresta, melhorar a vida de milhões de pessoas e mostrar que é possível aliar desenvolvimento econômico com respeito à natureza.

Então, da próxima vez que ouvir falar sobre a Amazônia, lembre-se: não estamos falando apenas de uma floresta, mas também de um laboratório vivo de inovações que podem mudar o futuro da humanidade.