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Instrumentos financeiros para transição da agricultura de baixo carbono

Por Marcela Paranhos, Diretora de Finanças para Agricultura da TNC Brasil.

Produtor rural caminhando em área de plantio no Tocantins.

Boa parte das emissões de gases de efeito estufa no Brasil vêm do que chamamos de mudança do uso do solo, que é a remoção de uma vegetação pelo desmatamento ou queimada. Neste contexto, os instrumentos financeiros são fundamentais para mudar a dinâmica do uso do solo ao fomentar o aumento da produção por meio de melhorias na eficiência e gestão das terras atualmente degradadas. Nessa dinâmica, os modelos produtivos a serem fomentados por esses mecanismos financeiros precisam priorizar sistemas mais resilientes às mudanças climáticas, como uma estratégia de adaptação.
Assim, as finanças são uma peça essencial no quebra-cabeça desta transição setorial e complementam outros esforços, como políticas de compra na cadeia de suprimentos, monitoramento e transparência, abordagens estaduais e ampliação das exigências ESG pelos investidores.

Hoje, temos tecnologia disponível no Brasil, com práticas já comprovadas, que permitem um aumento no nível de produtividade de três a cinco vezes na pecuária, mantendo um sistema baseado em pastagens e alimentação à base de gramíneas. A expansão da produção de grãos, por outro lado, pode se beneficiar das práticas de intensificação da pecuária, que liberam espaço em áreas já abertas e com aptidão para agricultura, possibilitando o aumento da produção e diversificação de alimentos associado à conservação de vegetação nativa. De olho nesta oportunidade, o Governo brasileiro lançou, em 2023, seu Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, que busca alcançar US$ 120 bilhões de investimentos nos próximos 15 anos para recuperar ou converter 40 milhões de hectares de pastagens, o que equivale a 10% da Amazônia brasileira.

Neste sentido, o Brasil se diferencia de outras economias emergentes pela sofisticação de seu sistema financeiro e mercado de capitais, que, especialmente para agricultura, já possui produtos securitizados de curto prazo com longo track-record (histórico de desempenho) de operação. Esse nível de maturidade faz com que as estruturas de blended finance sejam uma excelente alternativa para expandir o uso desses instrumentos para produtos de longo-prazo, favorecendo o investimento em uma agricultura e pecuária de baixo carbono. De fato, na agricultura, estão se tornando cada vez mais comuns os mecanismos financeiros que favorecem práticas regenerativas e a produção livre de desmatamento e conversão.  Algumas empresas do agronegócio e bancos já criaram programas de empréstimos que oferecem financiamento de longo prazo para recuperação de pastagens degradadas e aumento de produtividade, como Syngenta, Banco Itaú, Louis Dreyfus, Bunge e Banco Santander.

Citando um exemplo, o programa Reverte Cerrado, parceria entre a The Nature Conservancy (TNC) Brasil e Syngenta, oferece empréstimos com prazos de até dez anos, para expansão da produção de soja em áreas abertas. Outro mecanismo que merece destaque no mercado de grãos é o Responsible Commodities Facility (RCF), que fornece um crédito mais atrativo a produtores que conservam áreas de vegetação nativa acima das exigências legais, áreas conhecidas como excedente de Reserva Legal.
Na pecuária, há necessidade de produtos financeiros de longo prazo associados à assistência técnica para intensificação da produção, o que exige um investimento inicial para cercamento, recuperação de pastagens, melhorias no solo, aquisição de maquinários, genética e treinamento de mão-de-obra.  Porém, a maior parte dos produtos de financiamento disponibilizados no mercado são de curto prazo. Um exemplo é o Plano Safra 23/24, em que 75% dos recursos são destinados para custeio e apenas 25% para investimento, sendo que esta é, hoje, a principal fonte de recursos de longo prazo para o produtor mediano. Ao contrário do mercado de grãos, a produção pecuária no Brasil não utiliza com frequência os instrumentos de securitização porque a maior parte da produção é comercializada no mercado spot, com pagamento à vista e pronta entrega da mercadoria, o que torna mais desafiador o desenvolvimento de mecanismos de blended finance. Um bom exemplo de blended finance para pecuária é o Renova Pasto, produto de longo prazo, oferecido pelo Rabobank aos seus clientes, a partir do compartilhamento de riscos de um fundo de blended finance holandês, chamado Agri3.

O Brasil demandará uma grande injeção de capital catalítico (filantrópico ou de fomento) até 2030 para conduzir o mercado de blended finance na agricultura de forma a obter uma Tese de Investimento Estabelecida, com base para fundamentar essa alternativa e que seja capaz de atrair capital comercial em escala. O capital catalítico, entendido como aquele que possui uma tolerância a maiores riscos e menores retornos vinculados a maiores impactos socioambientais ou transformação de cadeias, precisa ser ampliado para que possa:

• Assumir posições subordinadas, primeiras perdas, assegurar e melhorar produtos de crédito e gerir riscos cambiais;
• Ter preços verdadeiramente concessionais para atrair capital comercial e permitir uma proposta de valor convincente para os agricultores;
• Usar estruturas e KPIs ambientais e sociais robustos, porém simplificados
• Empregar procedimentos de revisão e aprovação oportunos e comercialmente adequados;

Tal como aconteceu com as energias renováveis há cerca de 20 anos, estamos nas fases iniciais de aceleração de empréstimos e investimentos para a transição para uma agricultura de baixo carbono, que precisa estar associada a critérios e incentivos à conservação da vegetação nativa, sem a qual não é possível alcançar os compromissos de clima ou mitigar as mudanças climáticas. No entanto, precisamos acelerá-la para garantir soluções permanentes enfrentamento às mudanças climáticas e perda de biodiversidade.

Publicado originalmente em Investing.com
 12 de junho de 2024
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