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Financiamento, clima e biodiversidade: o jogo só acaba quando termina

Por Karen Oliveira - Diretora para Políticas Públicas e Relações Governamentais TNC Brasil

Água de Flor Beija-flor-cinza bebendo em helicônia na Mata Atlântica de Ubatuba © Lucas Ramiro/TNC Photo Contest 2021

O ano de 2024 foi marcado por importantes movimentos nas agendas de clima e biodiversidade, conquistando a atenção do mundo para as emergências climáticas. Foram 12 meses marcados por grandes eventos, desde o encontro da Cúpula de Líderes do G20 no Rio de Janeiro, passando pelas três principais conferências ambientais do Sistema das Nações Unidas. A Conferência de Biodiversidade, COP16 em Cali (Colômbia), a COP29 do Clima em Baku (Azerbaijão) e a Convenção para Combater a Desertificação, em Riad (Arábia Saudita).

Os resultados nos deram um recado claro, demonstrando que o modelo de financiamento vigente, baseado no princípio do poluidor pagador, onde os países desenvolvidos ajudam financeiramente os países menos desenvolvidos a enfrentarem emergências ambientais, não está funcionando.

O G20 surpreendeu ao reforçar o compromisso dos países membros com a sustentabilidade ambiental e climática. Entre seus resultados está a aprovação dos 10 princípios de Alto Nível sobre Bioeconomia, que vão funcionar como um guia para tratar do assunto na agenda internacional. O documento final reconheceu, também, o papel das florestas em fornecerem serviços ecossistêmicos cruciais, manifestando apoio ao Tropical Forest Forever Facility (TFFF), Fundo Florestas Tropicais para Sempre, lançado pelo governo brasileiro na COP28, que busca mobilizar diferentes fontes de financiamento para pagar pela manutenção de florestas em pé. Resta esperar que estes compromissos tenham a força necessária para saírem da inércia das intenções e resultarem em medidas concretas de implementação.

Já na COP16, a COP que não acabou, a falta de consenso acerca da mobilização de recursos financeiros colocou em risco suas próprias conclusões, postergando o final das negociações para fevereiro de 2026. Frustrações à parte, alguns resultados precisam ser reconhecidos. Esta foi a Conferência que trouxe a natureza e as pessoas para o centro do debate, reconhecendo a sinergia entre clima e biodiversidade, fortalecendo os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, admitindo o protagonismo das populações afrodescendentes na conservação da biodiversidade e celebrando um Pacto de Paz pela Natureza.

Avanços nas discussões sobre o Sequenciamento Genético Digital** resultaram na criação do Fundo de Cali, mecanismo financeiro destinado a promover a repartição dos benefícios gerados. Se estes resultados serão suficientes para que se alcance metas mais ambiciosas e acelerem a implementação de medidas efetivas no enfrentamento aos danos causados à biodiversidade, segue sendo um jogo de incertezas.

Para completar esta partida entre as demandas de financiamento e as necessidades de manter viva a meta de aquecimento global em 1,5°C, a COP29 trouxe o sabor amargo de um resultado que não convenceu. A Conferência entregou um Novo Objetivo Coletivo Quantificado para o financiamento climático, substituindo a meta anterior acordada no Acordo de Paris, na qual os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020, para apoiar na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Contudo, isto ficou aquém do comprometimento esperado. Foi um jogo travado, onde o esquema tático definiria a meta, quem e quando deveria cumpri-la. O processo resultou num aumento do financiamento climático para US$ 300 bilhões anuais, provenientes de fontes públicas e privadas dos países desenvolvidos. Já os US$ 1,3 trilhão após 2035, valor que vinha sendo demandado pelos países em desenvolvimento, ainda será um alvo a ser buscado por todos os atores da agenda.

Outros pontos-chaves não foram definidos, entre eles não foi adotado um programa de trabalho para avançar nas negociações sobre a transição justa para uma economia de baixo carbono, ou ainda, como seriam adotadas as decisões sobre o Balanço Global do Acordo de Paris. Embora o primeiro balanço tenha sido concluído na COP28, em Dubai (2023), a COP29 não conseguiu definir medidas para implementar suas recomendações, como o compromisso de afastamento no uso de combustíveis fósseis, que nem mesmo foi citado no texto final das negociações.

Tomadas de decisão sobre as agendas de mitigação, adaptação, perdas e danos e transferência de tecnologia, foram postergadas para a COP30. A exceção, mas que não foi novidade, foi a decisão sobre o mercado de carbono onde foram adotadas diretrizes técnicas para permitir sua operacionalização.

A verdade é que a ONU não têm como obrigar os países cumprirem com suas promessas e os frágeis resultados alcançados nas agendas de clima e biodiversidade geram um clima de desconfiança, colocando em xeque o multilateralismo ambiental como conhecemos.

O jogo ainda não acabou. Precisamos de um pacto pela COP30 onde a diplomacia climática leve os países a terem ambição em suas metas de redução de emissões. Em 2025, o Brasil assumirá a presidência do BRICS e da COP30, é uma oportunidade única do país liderar e consolidar seu protagonismo nas agendas de clima e biodiversidade, traduzindo prioridades em soluções concretas que promovam sinergias e mecanismos financeiros efetivos.

Publicado originalmente em Galileu
27 de dezembro de 2024
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