Dar escala à restauração: uma agenda que conecta o planeta
Conservação e restauração são alguns dos principais pontos de convergência nas agendas do clima e da biodiversidade dos países.
Por Rubens Benini, Líder de Florestas e Restauração da TNC Brasil
Recentemente, no final de setembro, tive a oportunidade de participar da 10ª Conferência Mundial sobre Restauração Ecológica realizada pela SER (sigla em inglês para Sociedade para Restauração Ecológica), em Darwin, na Austrália, para tratar de um dos temas mais atuais na agenda da conservação e que ocupa a agenda de pesquisadores, especialistas, ambientalistas e governos ao redor do mundo: como dar escala às ações de restauração dos ecossistemas.
Foi destacada a urgência de ampliar a restauração ecológica para restabelecer uma conexão saudável e equilibrada entre as pessoas e a natureza. A mensagem transmitida na maioria das falas e palestras remete à importância de reconhecer e garantir os direitos de povos indígenas e comunidades locais em seus territórios, promovendo liderança e participação inclusiva na restauração. Além disso, foi feito um apelo à sociedade para abraçar a restauração ecológica como prioridade para reduzir riscos climáticos, fortalecer a resiliência comunitária e recuperar serviços ecossistêmicos vitais, como a própria regulação do clima, além da segurança hídrica e conservação do solo. Outro ponto destacado foi a importância de governos e empresas globais a realinharem políticas e financiamentos para apoiar ativamente a restauração. A própria TNC, organizou um painel com mulheres indígenas que compartilharam seus conhecimentos em recuperação e manejo de fogo. De modo geral, a visão que permeou todo o evento foi a de que é necessário avançar na restauração ecossistêmica, com a ampla colaboração entre governos, cientistas, empresas e comunidades locais.
Embora implementar essas ações exija superar desafios, realizar investimentos consideráveis e inovar em larga escala, a justificativa para apostarmos nessa solução é bem simples: conservação e restauração florestal são alguns dos principais pontos de convergência nas agendas do clima e da biodiversidade, especialmente em países como o Brasil, onde conter os avanços da crise climática passa obrigatoriamente pelo fim do desmatamento e pela recuperação de seus ecossistemas.
Olhando especificamente para o Brasil, sabemos que há no país um passivo superior a 21 milhões de hectares para atender o que prevê o Código Florestal, no que diz respeito à conservação e recuperação de áreas degradadas nos seis biomas brasileiros. O país assumiu em 2015 o compromisso internacional de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, o que equivale a quase três vezes o tamanho de todo o estado do Rio de Janeiro. Até o momento conseguimos avançar em menos de 150 mil hectares. Para termos avanços significativos nessa agenda é necessário investimentos públicos e privados, e vontade política, por meio do desenvolvimento e execução de políticas públicas eficientes, como, por exemplo, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg).
Apesar de todos os desafios, pude constar nesta Conferência que o Brasil está na vanguarda da agenda da restauração florestal, com exemplos de boas experiências práticas em todos os setores: público, privado, universidades e sociedade civil. Um a um, ou de maneira integrada, estamos buscando aprimorar as governanças e fomentar inciativas tecnológicas de com alto potencial para ganhar escala e promover efetivamente a transformação necessária. Há bons exemplos de restauração privada no entorno de reservatórios que geram energia elétrica, como o exemplo de Itaipú que aumentou não apenas a cobertura florestal, mas também o fluxo entre a fauna, e, claro, não podemos deixar de citar a importância dos movimentos de restauração por biomas, como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e a Aliança pela Restauração da Amazônia, que reúnem centenas de membros em busca da escala na restauração.
Também ficou nítida que a grande aposta mundial segue sendo a regeneração natural assistida (RNA) que possibilita o ganho em escala a menores custos, como apontado em inúmeros estudos, pois considera a restauração passiva, na qual a área de atuação é isolada e a natureza segue seu o seu curso, com pouca intervenção humana. Esse é um exemplo de prática que permite que pessoas e natureza prosperem juntas, que foi, aliás, o tema da Conferência na Austrália “Natureza e Pessoas como uma só” (tradução livre do “Nature and People as one”).
Assim como o Brasil, os mais diversos países estão engajados na Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas (2021-2030). Diversos pesquisadores, cientistas e especialistas de diferentes localidades aportaram suas experiências e trouxeram estudos de casos que podem servir de exemplo para outras iniciativas. Um dos destaques foi a apresentação de um seminário sobre a RNA, que mostrou a formação de uma aliança para fomentar e difundir essa importante técnica de restauração.
A The Nature Conservancy Brasil é uma das que aposta nesta modalidade de restauração desde 2001. De lá para cá, e junto a inúmeros parceiros, ajudamos a restaurar mais de 100 mil hectares em 10 estados brasileiros, e em mais de 70% foi adotando a técnica de regeneração natural.
Exemplos assim nos mostram que estamos no caminho certo ao apostar nas Soluções baseadas em Natureza (SbN) para acelerar e escalar a agenda da restauração e assim contribuir no enfrentamento às mudanças climáticas e à perda da biodiversidade, afinal, segundo a ONU, as SbN podem contribuir com um terço das soluções necessárias para frear o aquecimento global. A década atual é vista como crucial para esse esforço global, enfatizando que a restauração é um investimento no futuro do planeta e das gerações e que é necessário tomar mais riscos e aprender de forma mais rápida possível.