O que a crise hídrica pode nos ensinar sobre a gestão dos nossos recursos
Por Ian Thompson - Diretor Executivo TNC Brasil
O Brasil enfrenta mais um desafio que coloca a segurança hídrica em risco. A crise de abastecimento de água afeta diversos níveis de consumo, desde o uso doméstico até o fornecimento de energia para grandes regiões metropolitanas, que estão se preparando para "apagões" que possam vir a acontecer nos próximos meses. A escassez é um desequilíbrio entre demanda e oferta, portanto temos de trabalhar em ambos para buscar um estado de equilíbrio duradouro. Apesar de nossa contribuição como ONG ambiental focar na oferta que vem da natureza reconhecemos a importância de trabalhar com a demanda e a governança dos recursos hídricos, mas nestes artigos vamos refletir sobre a oferta. Para entender as causas de crise de oferta, precisamos ir além da escassez de chuvas e compreender pontos que podem ser melhorados na gestão de recursos hídricos das cidades e nas bacias hidrográficas de forma que a natureza, a população e os diferentes usos de água não sejam prejudicados.
O assunto está em alta porque muitos procuram entender como chegamos até aqui sem antes se perguntarem sobre como utilizamos os recursos que encontramos na natureza até então. Especialistas apontam que as principais causas dessa escassez são frutos de uma gestão equivocada dos valiosos patrimônios naturais, que resultaram em um alto índice de desmatamento da Amazônia e no agravamento do aquecimento global, intensificando fenômenos naturais como tempestades nas principais regiões onde costuma chover.
O risco iminente da falta de água faz com que cidades busquem alternativas para solucionar o problema a curto prazo, indo cada vez mais longe para explorar recursos hídricos por meio da infraestrutura convencional. No entanto, o desmatamento e o mau uso desse tipo de estrutura podem acarretar um impacto direto nos rios e bacias hidrográficas, carregando sedimentos que provocam o assoreamento de reservatórios e implicam na redução de oferta de água com qualidade e na elevação de custos de tratamento.
Esse é um ponto que merece bastante da nossa atenção. Sistemicamente, quando as empresas e as organizações públicas não pensam na conservação da natureza e usam a infraestrutura cinza em excesso sem prestar serviços de manutenção, elas estão atuando sobre a ponta do iceberg, que é a escassez de água para abastecimento de qualidade. No entanto, para que exista qualidade de abastecimento de fato, precisamos olhar profundamente para as camadas do problema e entender como solucioná-lo em sua origem.
A segurança hídrica está, portanto, diretamente ligada à conservação dos recursos naturais no longo prazo. Além disso, quando encontramos formas de integrar as soluções da natureza aos nossos processos geramos benefícios sociais e econômicos, promovendo um desenvolvimento sustentável.
Um bom exemplo é o estudo realizado pela The Nature Conservancy em parceria com a Aliança Fundos de Água e a WRI, que indicou que a destinação de recursos para ações de conservação e restauração em 4 mil hectares seria capaz de reduzir até 36% da entrada de sedimentos nos rios que abastecem o Sistema Cantareira em São Paulo. Isso poderia economizar uma verba líquida de cerca de R$ 350 milhões em 30 anos, que seriam utilizados para o tratamento de água.
A segurança hídrica é um assunto que deve estar sempre em pauta, e não apenas em momentos críticos que demandam soluções imediatas, que atenuam, mas não resolvem o problema, pois não endereçam a raiz da questão. Em meu próximo artigo, falarei sobre projetos que visam fortalecer a oferta de água com qualidade por meio das Soluções Baseadas na Natureza e como elas podem ajudar regiões de todo o país a prosperar economicamente.