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O capital natural e os riscos financeiros das mudanças climáticas

Em tempos de urgência climática, ainda existem grandes desafios para definir o valor de ativos afetados pelos riscos atrelados aos eventos climáticos.

Por Marina Aragão, Líder em Economia e Finanças para Amazônia da TNC Brasil

Geleiras derretendo na Ilha Elefante, na Antártida.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS Geleiras derretendo na Ilha Elefante, na Antártida. © Roberto Michel/Concurso de Fotos TNC 2019

Os primeiros pensadores econômicos, incluindo Adam Smith, viam a natureza apenas pelo que ela poderia fornecer ao homus economicus: terra para habitar e comida para comer. Na opinião deles, foi o esforço humano que agregou valor à natureza de forma extrínseca, extrativa, não atribuindo à natureza um valor intrínseco – embora reconhecessem que a natureza poderia realizar “atividades sem intervenção humana”. Por não conseguirem medir o valor dessas atividades, elas foram excluídas da precificação – ou melhor, contabilizadas como externalidades – na lógica econômica.

Desde os idos do pensamento econômico, não preenchemos a lacuna de precificação do valor intrínseco da natureza. Embora, mais avançada, a valoração dos riscos financeiros atrelados a mudanças climáticas também nos impõe desafios. É consentido e usualmente inquestionável o risco climático a carteiras financeiras no longo prazo, porém, no curto e médio prazos, preços de ativos afetados pelos riscos físicos, atrelados a eventos climáticos adversos, ou de transição, relacionados a uma economia de baixo carbono, têm efeitos ainda localizados sobre investidores ou instituições financeiras.

Em relatório recente, um banco global observou que, embora considere a mudança climática “qualitativamente material”, ainda não é “quantitativamente material”, tendo em vista que o risco atrelado a mudanças climáticas em sua carteira de crédito foi qualificado como contabilmente irrelevante. Como mais de 70% dos empréstimos do banco a setores de alta emissão de carbono vencem em cinco anos ou menos, o dinheiro provavelmente terá sido reembolsado antes que os riscos climáticos comecem a impactar o resultado das empresas investidas.

Como a maioria das externalidades, o “colapso” torna-se aparente apenas com o tempo. A “tragédia dos comuns” não falhou no primeiro dia, mas evoluiu com o tempo. Esse conflito entre impactos de médio e longo prazos e resultados de curto prazo é um grande empecilho na adoção de produtos, operações e carteiras financeiras sustentáveis. O jeito mais tangível hoje em dia de modelar uma alocação de portfólio que ataque esse conflito é por meio da fronteira de eficiência entre risco, retorno e intensidade de carbono (tCO2e) – particularmente emissões de escopo 1, emissões diretas atreladas a operação das instituições financeiras ou de suas investidas, e escopo 2, emissões indiretas atreladas a necessidade energética da operação da instituição financeira ou de suas investidas.

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Como a maioria das externalidades, o “colapso” torna-se aparente apenas com o tempo.

Alcançar essa fronteira de eficiência em portfólios de investimentos de instituições financeiras não precisa estar atrelado a uma mudança dramática na alocação tradicional, isto é, àquela que não considera emissões ou potencial de captura de carbono. Pesquisas recentes de mercado indicam que uma alocação menor que 20% do portfólio de investidores institucionais para ativos de alternativos no setor de uso da terra e florestas tem o potencial de atingir os compromissos “net-zero” ou até mesmo “carbon negative” de toda a carteira.

A mesma pesquisa aponta para índices sharpe significativamente mais elevados em carteiras que contemplem classes de ativos com potencial de captura de carbono, ilustrando a habilidade destas classes de ativo de serem resilientes a ciclos econômicos, representando pouco ou nenhum risco adicional ao portfólio em comparação a uma tradicional alocação de 70% em ativos de renda fixa, 20% em renda variável e 10% em alternativos.

Ou seja, a diversificação de portfólios para atingirmos objetivos net-zeros de investidores institucionais, bancos e instituições financeiras pode atingir também retornos ajustados a risco mais atraentes para essas carteiras. Mais do que um compromisso setorial, a alocação de recursos em soluções baseadas na natureza é uma oportunidade de destinação de capital, e quem estiver ciente disto acaba por sair na frente, considerando as diversas oportunidades de inovação em um setor ainda pouco explorado, particularmente no Brasil. Ainda estamos engatinhando na valoração de serviços provisionados pela natureza, mas temos um caminho rico a desbravar ao reconhecer a relevância do capital natural para a sociedade.

Publicado originalmente em Um Só Planeta
  25 de julho de 2023
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