Soluções Baseadas na Natureza apontam o caminho para a resiliência hídrica
Sete em cada dez rios no Brasil estão em risco de seca, mas ainda é possível garantir a restauração das funções dos ecossistemas.
Por Samuel Barrêto - Gerente de Água e Sistemas Alimentares da TNC Brasil
O Dia Mundial da Água, celebrado dia 22 de março, costuma trazer reflexões sobre o quanto os recursos hídricos são fundamentais para a saúde, meio ambiente e a econonima. Por isso, muito se fala sobre a importância de sua conservação através de frentes diversas, como reuso, cuidados com rios e mares. Todas, sem dúvida, questões fundamentais. Mas, também vale pensar sobre os impactos da falta água e ter em mente que a própria natureza pode nos inspirar na criação de soluções.
A seca é um problema crítico, com profundas implicações em escala global, sendo responsável por mais de 650 mil mortes nos últimos 50 anos, e contribuindo para danos econômicos de US$ 3,6 bilhões devido às mudanças climáticas, com impactos generalizados na segurança alimentar e hídrica. O relatório Soluções Baseadas na Natureza para Resiliência à Seca, apresentado na COP16, de biodiversidade, revela que 75% da população mundial poderá enfrentar escassez de água até 2050 devido à seca, um dado que coloca em xeque a segurança hídrica do Brasil e do mundo.
Os impactos da seca são particularmente severos na saúde humana, como demonstrado pela seca de 2022-2023 que atingiu a região nordeste do continente africano, onde mais de 23 milhões de pessoas enfrentaram uma crise de insegurança alimentar e hídrica por vários anos. As secas impactam diretamente os ecossistemas , reduzindo o fluxo de água, causando incêndios florestais e ondas de calor, e, indiretamente, causando surtos de pragas e doenças.
Diante desse cenário preocupante, o documento aponta para as Soluções Baseadas na Natureza (SbN), como a restauração de ecossistemas e agricultura regenerativa, como um caminho para a resiliência hídrica. Com alternativas eficazes de proteção e restauração de florestas, zonas úmidas e áreas de recarga de aquíferos, além da implementação de práticas agrícolas sustentáveis e a gestão integrada dos recursos hídricos, buscam a harmonia entre as necessidades humanas e a preservação dos ecossistemas.
Sabemos que as metas globais de mitigação aos extremos climáticos, proteção da biodiversidade e segurança hídrica não serão atingidas sem um investimento significativo em Soluções Baseadas na Natureza. Sem essas soluções não conseguiremos garantir que as necessidades de curto prazo, como estabilização do solo e armazenamento de água, e a restauração das funções do ecossistema a longo prazo.
A proteção e restauração de florestas e ecossistemas contribuem para a manutenção do ciclo hidrológico, regulando o fluxo de água e garantindo a disponibilidade hídrica a longo prazo. A implementação de práticas agrícolas sustentáveis, como o plantio direto e a integração lavoura-pecuária-floresta, aumenta a infiltração de água no solo e reduz a erosão, contribuindo para a recarga de aquíferos – formações geológicas subterrâneas que armazenam água em seus poros e fraturas, possibilitando a extração para uso humano. Tudo isso somado à gestão integrada dos recursos hídricos, ajuda a equilibrar as necessidades humanas e ambientais, garantindo o acesso à água para as comunidades e a preservação dos ecossistemas aquáticos.
Pensando nisso, o relatório destaca a necessidade de investimentos nestas práticas, com destaque para o financiamento de projetos de restauração de ecossistemas, capacitação de comunidades locais e a criação de políticas públicas que incentivem a adoção de práticas sustentáveis. A integração das SbN às estratégias tradicionais de gestão de recursos hídricos, como a construção de barragens e a gestão da demanda, é fundamental para garantir a segurança hídrica a longo prazo.
As secas e crises hídricas cada vez mais extremas exigem um pacto nacional de governança pela água, unindo esforços de governos, empresas e sociedade civil em prol da proteção, recuperação e gestão sustentável de nossos recursos hídricos. O futuro da água no Brasil depende de ações conjuntas e urgentes, que reconheçam a interdependência entre os ecossistemas, a economia e o bem-estar humano. Neste contexto, a COP30, que acontecerá em Belém (PA) no mês de novembro, pode ser uma boa oportunidade para que especialmente os governos elevem o grau de prioridade e urgência que esse assunto requer como um elemento central de interesse nacional.
Publicado originalmente em Um Só Planeta
22 de março de 2025
Ver original