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Dez anos do Código Florestal - onde estamos e para onde vamos?

Ainda existem desafios para a implementação da legislação, e conciliar a proteção da natureza e geração de renda, cobrando atuação efetiva dos órgãos

Por Rubens Benini, Lícia Azevedo, Thaciane Silva - TNC Brasil

Desafios da implementação do Código Florestal
10 ANOS DO CÓDIGO FLORESTAL Desafios da implementação do Código Florestal © Eva Lepiz

O maior desafio para se ganhar escala na restauração florestal e cumprir a meta brasileira de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 é engajar o produtor rural, que é o agente mais importante nesse processo. Sabemos que a restauração de florestas e demais formas de vegetação só ocorrerá se os proprietários rurais tiverem interesse de que ela ocorra, caso contrário, a restauração se torna inviável e outro uso e ocupação será dado à terra. Neste contexto, há alguns “motivadores” que podem levar os proprietários de terra a se interessarem por restaurar parte de suas propriedades. Um desses indutores são os mecanismos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e outro são sistemas de comando e controle. Sobre esse último, obviamente, a legislação brasileira tem um papel importante pois, em tese, se o proprietário de terra não cumprir com a legislação de proteção da vegetação nativa vigente ele estaria sujeito a multas, poderia ter dificuldade de acesso a crédito agrícola, ou teria dificuldade em comercializar seu produto, em um mercado mais exigente em práticas sustentáveis de produção.

Nesse ano, a Lei da Proteção da Vegetação Nativa, conhecida por Novo Código Florestal, completa 10 anos. Apesar de consideráveis avanços no Cadastro Ambiental Rural – CAR, muito pouco foi feito na prática para a implementação desta Lei. A seguir traçamos um breve histórico de sua evolução e discutimos caminhos para seguirmos avançando na implantação efetiva dessa importante legislação.

Aprovação conturbada e insegurança jurídica para implementação

O Brasil possui legislação específica de proteção de suas florestas desde 1934. Em 1965 aprovou-se um outro Código Florestal. Suas posteriores modificações com a ampliação da proteção ambiental e, em especial, a regulamentação do processo administrativo federal para a apuração das infrações ao meio ambiente em 2008, motivaram uma forte pressão política para a mudança da legislação.

Embora com claro retrocesso ambiental, o Novo Código Florestal ainda manteve a necessidade de os imóveis rurais respeitarem espaços ambientalmente protegidos, como a Reserva Legal (RL), com a função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, e as Áreas de Preservação Permanente, que possuem diversas funções ambientais, como a preservação de recursos hídricos, da paisagem, além da estabilidade geológica e proteção à biodiversidade.

Ainda que a Lei tenha sido aprovada há 10 anos, há insegurança jurídica para sua implementação. Ações contestando a sua constitucionalidade foram intentadas em 2013 e apenas julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018. Os importantes instrumentos criados por esta Lei, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA), sofreram diversas prorrogações concernem relação aos seus prazos de execução, o que contribuiu para a fragilização do Código.

Já o registro dos imóveis rurais no CAR, realizado através do Sistema Nacional de CAR (SICAR), teve uma adesão considerada exitosa. Há mais de 6,5 milhões de imóveis registrados no CAR (98% das propriedades rurais do país). Porém, somente 18.771 imóveis cadastrados (0,3% do total) tiveram sua análise e validação concluídas.

Após o registro no CAR esperava-se que houvesse uma ampla adesão por parte dos detentores dos imóveis, ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) de seus estados. Embora o PRA tenha sido regulamentado na esfera Federal, a adequação ambiental e recuperação dos passivos ambientais dos imóveis rurais são atribuições dos governos estaduais. Dez anos após a promulgação da lei, alguns estados não fizeram o dever de casa (Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe não regulamentaram o PRA) e somente sete estados estão efetivamente implementando o PRA (Acre, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia), o que, obviamente, gerou enorme atrasos, deixando os resultados aquém do que precisa ser de fato realizado para a implementação da Lei.

 

Boas experiências impulsionam a implementação do Código

Assim como projetos no Pará e no Mato Grosso que deram espaço para o início do CAR, hoje, a TNC Brasil continua a desenvolver exemplos práticos para atrair e engajar proprietários de terra a se interessarem por restaurar parte de suas propriedades, alinhados ao Novo Código Florestal, como os projetos Acelerador de Restauração, no Pará; Conservador da Mantiqueira, na Mata Atlântica; e o Reverte, no Mato Grosso.

Da produção agroflorestal à venda de créditos de carbono, o projeto Acelerador de Restauração utiliza a geração de renda como um dos estímulos para oferecer novas oportunidades econômicas aos agricultores familiares e impulsionar a restauração da Amazônia utilizando agroflorestas no cumprimento do Código Florestal, fomentando um modelo de agricultura familiar de baixo carbono.

Já na Mata Atlântica, a TNC e parceiros desenvolvem o programa Conservador da Mantiqueira, que faz uso dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) aos produtores como ferramenta de apoio ao cumprimento do Código Florestal, fazendo com que a restauração de florestas nativas, seja mais atraente financeiramente para os proprietários de terras engajados em pecuária de baixa produtividade, atividade predominante na região.

melhoria da produtividade agrícola é um dos motivadores que vem sendo adotados no projeto Reverte, parceria entre a TNC e a Syngenta, para a recuperação de paisagens degradadas no Cerrado. O projeto, lançado em 2019, visa fomentar a recuperação de pastagens degradadas no estado do Mato Grosso, assegurando a adoção de boas práticas agrícolas que evitam a degradação do solo e potencializam a conservação da vegetação nativa, garantindo benefícios econômicos ligados ao aumento na produtividade nas áreas já desmatadas, em detrimento à abertura de novas áreas para cultivo, evitando o desmatamento de áreas protegidas pelo Código Florestal.

Em resumo, a TNC e parceiros vêm se empenhando na prática, ao longo dos anos, para que o Código Florestal seja de fato implementado e possa, assim, contribuir para posicionar o Brasil como uma referência no uso de soluções baseadas na natureza. O foco é gerar incentivos para a criação de modelos em que a conservação ambiental e o crescimento socioeconômico possam coexistir, a partir da geração do valor para a floresta conservada e em processo de restauração.

Implementação, implementação e implementação

Não há mais tempo a perder em alterar legislações que já foram aprovadas. É momento de cobrar a execução das legislações ambientais vigentes e fazer com a restauração florestal possa colocar o Brasil em um trilho de produção de serviços ecossistêmicos e agropecuários ao mesmo tempo. Isso certamente ajudará o País a atingir sua meta de restauração, de 12 milhões de hectares, ao mesmo tempo em que gera emprego e renda.

Ao longo de mais de duas décadas desenvolvendo projetos no campo que possam servir de modelo e base para políticas públicas de sucesso, como a própria Lei Florestal, algumas lições foram aprendidas. A primeira delas é que mecanismos de comando e controle são frágeis, pois regras são flexibilizadas e prazos prorrogados, colocando em questionamento a seriedade do Legislativo e Executivo brasileiro, assim como de alguns setores da economia. Situações como essas prejudicam não apenas o meio ambiente, mas colocam em risco o próprio agronegócio, seja em função da interdependência das florestas e dos serviços ecossistêmicos que propicia para a produção de alimentos, como em função de riscos reputacionais, advindos das várias tentativas de se flexibilizar a Lei.

Apesar de projetos de sucesso, para que todo o Código Florestal tenha êxito e seja devidamente implementado, todos os setores da sociedade devem andar juntos e engajados no cumprimento da Lei. O setor privado deve continuar buscando e investindo em exemplos exitosos, adequar ambientalmente toda sua cadeia de suprimentos e fornecer insumos e orientação para isso, além de se posicionar para que Lei seja cumprida e não mais alterada. Já os órgãos públicos devem continuar e acelerar a elaboração e implementação dos seus PRAs e fazer uso de exemplos exitosos, como os sistemas do Pará e Espírito Santo, de modo a regulamentar e direcionar a implementação, inclusive na fiscalização e combate à criminalidade. Por fim, a Sociedade Civil, além de cobrar e pressionar pela execução da Lei, pode e deve continuar a promover sua importância e mostrar que é possível cumprir a Lei em benéfico a toda a sociedade.