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Sociobioeconomia para além dos produtos

Financiar a sociobioeconomia exige um olhar integral para os elos e agentes deste setor em suas distintas cadeias produtivas, para além dos produtos

BIOECONOMIA NO BRASIL Indígena realizado a retirada das frutas do açaí para produção. © Priscila Tapajowara

A sociobioeconomia, que une desenvolvimento econômico à preservação ambiental, é uma oportunidade promissora para a Amazônia, só no estado do Pará a The Nature Conservancy (TNC) trabalha com parceiros na comercialização de produtos da sociobiodiversidade de mais de 10 milhões de hectares de florestas em pé,  reconhecendo o manejo tradicional do território como prática econômica comunitária de extrema importância para o bem viver comunitário. No entanto, para que a sociobioeconomia seja uma alternativa setorial de um novo paradigma econômico, é necessária uma abordagem que vá além do apoio à comercialização de produtos, focando em uma visão holística e equitativa da cadeia produtiva, envolvendo e fortalecendo as comunidades locais nesse processo. Na prática, isso significa olhar além do produto, de forma a entender de onde essa sociobioeconomia parte, do território em que está inserida, da sua diversidade e coletividade, e das relações dessas pessoas com os seus territórios.

Para isso, a TNC vem estudando o cenário atual dos negócios da sociobioeconomia. Hoje, este setor produtivo habita significativas falhas de mercado nas quais agentes públicos e privados podem atuar de forma a transformá-lo para que ganhe escala de forma equitativa e contribua para a transformação econômica a partir das comunidades locais, do clima e da biodiversidade.  Algumas dessas falhas estão vinculadas aos custos de produção superiores às receitas geradas pela comercialização dos produtos para as comunidades, ao não reconhecimento da tecnologia social comunitária, à alta concentração de valor nos elos finais da cadeia produtiva e às dificuldades de acesso ao mercado, com a ausência de uma demanda propriamente informada e estabelecida. Para superar estas falhas, é necessário abordar todos os elos da cadeia produtiva, e não apenas o fomento aos negócios privados ou comunitários, de forma a criar as condições necessárias para que a sociobioeconomia prospere.

Neste sentido, são necessários investimentos em infraestrutura social ( governança, por exemplo) e física, acesso à políticas públicas, capacitações, trocas e valorização dos saberes locais e assistência técnica produtiva ou de negócios aos povos da floresta. Além disso,  caso demandado localmente, garantir a inclusão financeira, ferramentas de gestão e bancarização. Como isso pode ser feito? Independentemente da abordagem é necessário identificar a fase de maturidade de cada cooperativa ou associação. Classificamos  três fases e as ações indicadas para cada etapa. Essa matriz não é necessariamente progressiva, mas apoia no diagnóstico preliminar de quais as ações mais apropriadas para cada organização comunitária da sociobioeconomia:

  1. Nos estágios iniciais de institucionalização e formação, especialmente em contextos como o da sociobiodiversidade, é crucial fornecer acesso a políticas públicas, incentivos financeiros e filantrópicos, e infraestrutura de apoio para que os produtores e extrativistas se organizem, fortaleçam sua organização social, tenham acesso a mercados locais e alcancem maior valor para seus produtos da sociobioeconomia e serviços comunitários atrelados. Isso inclui políticas de garantia de preços, pagamentos por serviços ambientais e investimentos em infraestrutura que beneficiem a comunidade e a produção sustentável.
  2. À medida que os negócios se formalizam, eles precisam estabelecer sua arquitetura de governança, sistemas e modelos de operações. Nesta fase é fundamental fortalecer a governança,e  além do apoio através de assistência técnica, sistemas, processos de gestão e inclusão financeira. Estas ações permitem que essas iniciativas se organizem de forma mais eficiente, adotem melhores práticas e acessem recursos que os ajudarão a manter sustentabilidade financeira e manutenção das suas operações.
  3. Na fase de expansão, essas iniciativas, considerando as limitações logísticas, estão aptas a buscar mercados de longa comercialização e profissionalização da gestão. É também nessa fase que algumas iniciativas demandam acesso a crédito subsidiado. Para a manutenção dessas iniciativas em estágios mais maduros, é fundamental garantir acesso a uma demanda apropriada por esses produtos e ter fontes de financiamento condizentes com a realidade e demanda territorial, além do apoio contínuo às melhores práticas de gestão e produção.

Este, porém, não é um exercício conclusivo. Sabemos que nem todas as iniciativas estarão nessas classificações e que em cenários com graves falhas de mercado essa categorização pode não ser aplicável. Apesar disso, os atores na sociobioeconomia podem identificar em que elo da cadeia está a maior agregação de valor, entender os obstáculos e buscar os potenciais instrumentos para trabalhá-los. Os elos destas cadeias de valor comumente observados incluem:

1.    Gestão territorial: a relação das comunidades com seus territórios, que incluí o manejo tradicional dos produtos da sociobioeconomia e os serviços ambientais decorrentes dessa gestão.

2.     Produção agregada:  que se resume a extração e comercialização por meio de estruturas de governança comunitárias, como as cooperativas e associações.

3.    Processamento e beneficiamento: a forma com que é feita a agregação de valor, o processamento artesanal local, incluindo as certificações de comercialização dos produtos e sua logística como um todo.

4.   Comercialização: que inclui prospecção de outros mercados, como os estaduais e internacionais, vendas para outros negócios ou direta a consumidores finais e compras institucionais.A depender do acesso a políticas públicas, financiamento e apoio técnico para as cadeias da sociobioeconomia, a agregação de valor que em algumas cadeias ficam longe dos produtores locais. Na cadeia do palmito  mais de 500% da agregação de valor destá no atacado e comércio. Já na cadeia do açaí, a 177% da agregação de valor da polpa está no processamento que abastece os mercados extralocais, como mostrou o estudo realizado pela TNC em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura.

Como hoje a maior agregação de valor de algumas importantes cadeias está concentrada no processamento e na comercialização, é relevante para os negócios da sociobioeconomia buscar maior verticalização produtiva. Para isso, é necessário não apenas acesso a financiamento, mas garantir que estes instrumentos vão além do apoio à comercialização, abrangendo investimentos em conhecimento, infraestrutura e governança. Garantindo, assim, benefícios justos e sustentáveis para as comunidades locais.

A sociobioeconomia não é um fim em si mesma, mas um meio para conservar o território e promover o bem-estar e a valorização das culturas das comunidades locais. Além disso, há ainda muitas outras atividades comunitárias, que incluem a economia criativa, do cuidado, por exemplo. Neste cenário diverso,  investimentos e políticas públicas devem considerar os diferentes elos das cadeias produtivas, promover opções diversificadas de produtos, garantir subsistência alimentar comunitária e assegurar as necessidades específicas de cada comunidade. Hoje são poucos os programas e investimentos que olham para todas as condições necessárias para que ela se fortaleça e há um distanciamento dos territórios na construção de políticas públicas e instrumentos de financiamento . Ao trazer luz para esta visão abrangente da sociobioeconomia, buscamos influenciar que financiadores e tomadores de decisão entendam as diferentes soluções que precisam ser colocadas em prática para a adoção dessa visão, garantindo que os benefícios da sociobioeconomia cheguem efetivamente às comunidades locais e à conservação da Amazônia.