A biodiversidade está em rota de colapso e precisamos mudar essa direção
Por Samuel Barreto, Líder de Sistemas Alimentares e Água da TNC Brasil
Os rios são sinônimo de vida. Deles vêm a água, o alimento e são também fonte e renda de muitas comunidades. Os cursos d’água, da cabeceira à foz, conectam pessoas, histórias, natureza, cidades e economia, além de abrigarem uma rica biodiversidade, desconhecida por muitos e que, infelizmente, está cada vez mais ameaçada.
De acordo com o Índice Planeta Vivo de 2022, elaborado pelo WWF, de 1970 a 2018, mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes tiveram uma queda populacional de 69% em média. A maior perda foi entre as populações de água doce monitoradas, que caíram, em média, 83%. As análises deste índice mostram que a perda de habitat e as barreiras às rotas migratórias são responsáveis por cerca de metade das ameaças às espécies de peixes migratórios monitorados.
Essa queda progressiva é preocupante pois ameaça a saúde do planeta e o bem-estar das atuais e futuras gerações com a perda dessa riqueza biológica e seus serviços ecossistêmicos, como água limpa. Por este motivo, o Fórum Econômico Mundial, por meio do Relatório de Riscos Globais 2023, classificou a perda da biodiversidade como um dos principais riscos para economia global, uma vez que mais da metade do PIB mundial depende da natureza.
A crise na biodiversidade não é nova, mas está em rota de colapso e precisamos agir rapidamente para mudar esse rumo. Há décadas espécies vêm sendo reduzidas e até mesmo extintas pela ação do homem. Há 30 anos, na Conferência Rio 92, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) deu os primeiros passos, contribuindo para o compromisso da comunidade mundial com o desenvolvimento sustentável. A CDB hoje está estruturada sobre três bases principais: conservação da diversidade biológica, uso sustentável da biodiversidade e repartição justa e sustentável dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos.
Entretanto, esta jornada tem sido tímida e, até o momento, tem colocado a biodiversidade em risco ao não estancar ameaças como desmatamento, fragmentação dos rios, poluição e uso ineficiente do solo e dos recursos hídricos. Estudo recente feito por um pesquisador da Universidade de Brasília mostra que o Cerrado brasileiro pode perder um terço da vazão dos rios até 2050 caso a degradação do bioma continue no ritmo atual – hoje quase 50% de sua vegetação nativa já foi perdida. Este mesmo estudo aponta que essa perda de vazão equivale a oito vezes à vazão do rio Nilo. Já na Amazônia estamos próximos ao ponto de não retorno e a Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do planeta, para citar apenas alguns exemplos.
Estes dados evidenciam, que os rios estão sofrendo um impacto profundo no que diz respeito à sua biodiversidade, por meio de atividades de mineração e extração ilegais, desmatamento e pela poluição e contaminação das águas, afetando ainda as pessoas, como temos visto com a população Yanomami. Ainda na Amazônia, há o risco associado à intensificação da fragmentação dos rios, com a construção de novas barragens para geração de energia elétrica.
Para ilustrar este problema, que ainda se soma ao desmatamento, a TNC fez um vídeo sobre a migração da dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), um peixe que percorre toda a bacia do rio Amazonas, em um trajeto de quase 11.000 quilômetros da cabeceira ao delta do rio e do delta de volta à cabeceira – uma distância superior a uma viagem ida e volta do Oiapoque (AP) ao Chuí (RS), os extremos norte e sul do Brasil.
Por percorrer tantos quilômetros, a dourada funciona como indicador biológico das condições da bacia, desta forma, os fatores de degradação podem alterar a migração da espécie e comprometer o equilíbrio ambiental de todo o ecossistema. A dourada é apenas uma das mais de 2.700 espécies já identificadas que vivem nos rios da bacia amazônica, que dependem desses rios para subsistência de seus povos.
A corrida para salvar a biodiversidade do planeta é tão urgente quanto à crise climática. Isso ficou bem claro na 15ª Conferência de Diversidade Biológica das Nações Unidas (COP15), realizada no Canadá em dezembro de 2022, e que teve como resultado principal a adoção de um novo marco global para biodiversidade, com 23 metas, sendo uma das principais a 30x30, que significa conservar 30% dos habitats terrestres e aquáticos até 2030. É um grande e complexo desafio.
O Brasil, como um dos países mais biodiversos do mundo, tem uma grande responsabilidade nessa agenda e essa responsabilidade passa obrigatoriamente pela recuperação e conservação das nossas águas. Isso porque bacias hidrográficas saudáveis e resilientes, com suas funções ecológicas e biodiversidade mantidas, contribuíram para a segurança hídrica e, consequentemente, para os usos múltiplos da água, o bem-estar e qualidade de vida da população, sendo ainda um pilar estratégico do desenvolvimento econômico.
Para isso, o país precisa reassumir o seu papel de protagonista mundial na agenda socioambiental. Uma excelente oportunidade para o Brasil expor ao mundo a sua agenda hídrica será na Conferência de Água da ONU, que será realizada entre 22 e 24 de março em Nova Iorque (EUA). A última Conferência deste tipo ocorreu há quase 50 anos, no século passado, quando ainda existia, por exemplo, o Muro de Berlim. Ou seja, em um mundo em que a realidade ambiental era outra e a biodiversidade não estava tão ameaçada como nos dias de hoje.
Publicado originalmente em Um Só Planeta
13 de março de 2023
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