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Agricultura Regenerativa: um dos caminhos para frear os impactos da conversão do uso do solo e das mudanças climáticas

Prática pode oferecer ao produtor rural bem-estar econômico, segurança hídrica e alimentar para todos

Por Samuel Barrêto

AGRICULTURA Plantação de arroz em sistema de cultivo chamado de roça-de-toco ou coivara - Terra Indígena São Marcos da etnia Xavante © André Dib

Os sistemas agroalimentares do mundo enfrentam desafios conjuntos para ampliar a segurança alimentar, assim como contribuir para restaurar o equilíbrio ecológico e climático do planeta, além de proteger os meios de subsistência das comunidades vulneráveis. A expansão desordenada da agricultura e práticas de produção insustentáveis têm gerado impactos ambientais, econômicos e sociais em diversas regiões do mundo. Por isso, transformações significativas nos sistemas são necessárias para incorporar métodos que garantam a produção de alimentos com equidade em toda a cadeia de valor.

Segundo o Programa de Meio Ambiente da ONU (UNEP), a monocultura e a baixa diversificação de cultivos colocam em risco as metas globais que buscam a diversidade genética, a resiliência dos ecossistemas, a sustentabilidade da agricultura e o financiamento. O setor da agricultura é responsável por emitir cerca de 30% dos gases de efeito estufa, consumindo cerca de 60% da água no mundo. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), a UNEP lançou uma publicação sugerindo a atribuição de critérios para os bancos ao financiar os setores da agricultura e de mineração. 

Embora o Brasil seja um dos dez países com maior área preparada para irrigação do mundo, com cerca de 6,95 milhões de hectares equipados para este tipo de uso de água, a Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA) avalia que essa utilização ainda é pequena frente ao potencial estimado. O Atlas de Irrigação da Agência mostra que o potencial efetivo de expansão da agricultura irrigada é superior a uma área de 11 milhões de hectares, o que equivalente a um pouco mais de 11 milhões de campos de futebol. O segmento agroindustrial se encontra no meio de uma encruzilhada. De um lado, a crescente demanda por alimentos e o aumento da pressão sobre os recursos naturais. Do outro, os impactos cada vez mais evidentes da degradação dos corpos hídricos potencializados pelas mudanças climáticas, com eventos extremos como secas e inundações assolando plantações e criações de animais. E a pergunta que fica é: como e onde esse processo continuará a ocorrer?

A agricultura regenerativa é uma aliada à gestão e governança das águas e deve ser valorizada como uma das soluções promissoras para melhorar a resiliência produtiva agrícola, proteger os recursos hídricos e a biodiversidade. A diversificação produtiva e a adoção de práticas que promovam a saúde dos solos e das águas são fundamentais para construir uma agricultura mais resiliente e adaptada às novas condições climáticas. Esse processo visa aumentar não apenas a produtividade, mas também restaurar solos, proteger recursos hídricos e reduzir a pressão pela abertura de novas áreas por meio da agricultura. A expectativa é alcançar esses múltiplos benefícios, além do não desmatamento, da saúde do solo, da adaptação climática, do bem-estar das comunidades, do desenvolvimento econômico local, da segurança alimentar e nutrição.

A adoção da agricultura regenerativa é um processo gradual, onde os princípios mais simples são aplicados primeiro, estabelecendo a base para a adoção incremental de outros que reforçam resultados anteriores e entregam novos. 

A prática inclui alguns princípios, mas seis deles considero serem mais relevantes, começando por diversidade e integração, responsável por incentivar a diversificação de espécies vegetais e animais, variedades genéticas e funções ecológicas, bem como a integração entre esses elementos e a cooperação entre atores locais. Já a eficiência de recursos e reciclagem promove o uso otimizado de recursos renováveis locais, eficiente e sustentável de energia, nutrientes e água, reduzindo a dependência de insumos externos – além da recuperação e utilização de áreas degradadas.

Nesta relação, a resiliência é importante para melhoria da capacidade do sistema agroalimentar em resistir a choques ecológicos e socioeconômicos, assim como os princípios de agrobiodiversidade e cultura alimentar na criação de salvaguardas para dietas nutritivas, diversificadas e culturalmente apropriadas para agricultores e consumidores. 

Enquanto a coprodução de conhecimento e governança inclusiva facilitam na tomada de decisões justas, capacitação e engajamento entre diferentes disciplinas e conhecimentos. Encerro a lista mencionando a economia circular e regenerativa, eficiente na redução de externalidades sociais e ambientais como o desemprego e o desmatamento, reconectando produtores com consumidores, além de promover a economia local e mais equitativa.

Assim, a transição para uma agricultura regenerativa e uma gestão integrada dos recursos hídricos exige uma mudança de mentalidade, políticas públicas, instrumentos de gestão e mecanismos financeiros robustos.  Fica cada vez mais claro que a proteção e restauração dos ecossistemas e a gestão sustentável dos recursos naturais são importantes aliadas da produção agrícola e pilares para o desenvolvimento das nações. 

Publicado originalmente em Um Só Planeta
05 de dezembro de 2024
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