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A agropecuária para além da sustentabilidade

A agropecuária regenerativa ajuda a garantir a produção no campo protegendo e fortalecendo a natureza.

Por Rafael Bonatto - Especialista em Pecuária Sustentável da TNC Brasil

Pessoa segurando uma amostra de solo.
CONSERVAÇÃO DO SOLO Amostra de solo saudável em propriedade rural no estado do Mato Grosso. © Andre Dib

Desde o início das civilizações, quando os humanos começaram a se organizar em assentamentos fixos, houve uma preocupação em acumular alimentos, garantindo seus estoques para situações de escassez de comida, passando, assim, de coletores a produtores.

A partir desse momento, a sociedade percebe de forma mais clara o quanto depende da natureza, dos seus ciclos naturais e das condicionantes ambientais para sua sobrevivência, reconhecendo, de forma indireta, o papel da biodiversidade nas paisagens alimentares, a importância dos organismos vivos do solo, plantas, animais, das intempéries e sua intrincada relação.

Sob esse mesmo prisma de emaranhado de relações e sinergias, em 1983, por meio de Robert Rodale, surge o conceito de Agropecuária Regenerativa, proveniente do termo na língua inglesa “Regenerative Agriculture”, cujo entendimento é guiado pela convergência de saberes tradicionais, inovadores e tecnológicos e o fomento de melhores práticas agropecuárias consagradas e preconizadas por distintas vertentes produtivas sustentáveis. 

É possível aumentar a produtividade agropecuária sem abrir novas áreas de produção. Para isso é preciso investir em inovação e boas práticas para pecuária e agricultura.
INTENSIFICAÇÃO SUSTENTÁVEL É possível aumentar a produtividade agropecuária sem abrir novas áreas de produção. Para isso é preciso investir em inovação e boas práticas para pecuária e agricultura. © Rafael Araujo

Dentre as práticas agropecuárias comumente recomendadas e adotadas pelas distintas iniciativas de fomento à Agropecuária Regenerativa, vale destacar que a conservação do solo é item central em todas as abordagens conhecidas. Da mesma forma, os sistemas que se propõem à promoção da agropecuária regenerativa endossam as seguintes práticas de agricultura de conservação; redução ou supressão de mobilização de solo, a manutenção de resíduos culturais na superfície do solo, além da diversificação de espécies, em rotação, consorciação e/ou sucessão de culturas.

Na mesma linha, os modelos que promovem essa abordagem produtiva aliada à conservação incluem a integração dos animais no sistema produtivo, seja por meio do estímulo aos sistemas integrados de produção agropecuária ou pela ênfase na importância e na promoção de sistemas agrossilvipastoris, que é o manejo integrado de árvores, pastagem, gado, e lavoura agrícola numa mesma área ao mesmo tempo.

É importante ressaltar que os sistemas integrados de produção agropecuária extrapolam a ideia de modelos produtivos focados no binômio soja e boi ou milho e boi, à medida que a integração prevê uma diversidade de arranjos produtivos planejados com componentes animais e vegetais. Além de gado, a pecuária inclui ainda búfalos d’água, patos e peixes. Esta é a realidade, por exemplo, do sudeste asiático, com a integração de arroz e patos, da Europa Central, com ovinos e frutíferas e da península ibérica, com porcos pastejando sob castanheiras. São exemplos de modelos alternativos de sistemas produtivos que fazem uso de espécies nativas, se apoiando no potencial genético local, atributo essencial às adaptações impostas pelas mudanças climáticas.

Nas diferentes abordagens da agropecuária regenerativa, é sempre encorajada a diminuição ou suspensão do uso de fertilizantes sintéticos ou pesticidas, buscando a redução da dependência de insumos produtivos externos à propriedade, o que também é tido como ponto central deste modelo. Sobre esse enfoque, o manejo integrado de pragas, aliado ao controle biológico, tem sido fortemente incorporado pelas iniciativas regenerativas, se apresentando como alternativa viável ao uso de pesticidas.

Nos países tropicais, as condicionantes dos ecossistemas facilitam à produção agrícola, influenciando diretamente na sazonalidade produtiva e nas interações entre solo, planta e animal e a produção de biomassa nos sistemas produtivos.

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A abordagem regenerativa tem capacidade de promover maior eficiência do uso dos recursos produtivos e ambientais no Brasil, aproveitando nutrientes disponíveis nos solos, implicando em um menor uso de insumos.

No Brasil, como sabemos, as características de solo, clima e regime de águas se traduzem em excelentes condições ambientais à produção agropecuária. Os atributos e diversidade dos solos brasileiros, somados à disponibilidade de recursos hídricos, da biodiversidade e dos climas presentes no vasto território nacional, conferem ao país oportunidades únicas para promoção da agropecuária regenerativa.

Nacionalmente, a adoção desse modelo de produção tem ganhado força entre os agricultores e agricultoras. Como consequência, vemos o crescente interesse dos produtores em aceitar esse sistema inovador e responsável ambientalmente, que está centrado na adoção de princípios e práticas agrícolas que imitam os sistemas naturais, principalmente com base no princípio de ter o solo no centro do sistema, de forma a produzir de forma eficiente e sustentável.

Nesta perspectiva, a abordagem regenerativa aplicada às condições brasileiras tem capacidade de promover maior eficiência do uso dos recursos produtivos e ambientais, em nível de propriedade, por meio do aproveitamento dos nutrientes disponíveis nos solos e aportados pela diversidade de cultivos e pelo componente animal, implicando, desta forma, no menor uso de insumos por unidade de alimento produzido.

Assim, ficam claras as oportunidades na promoção da Agropecuária regenerativa no Brasil. A capacidade de promover maior eficiência no uso dos recursos produtivos e ambientais, faz deste sistema e seu conjunto de práticas agropecuárias e ambientais uma alternativa sólida na promoção da segurança alimentar e na reconciliação entre produção de alimentos, fibras e combustíveis e a preservação dos recursos naturais.