É hora de adotar o potencial das agroflorestas como solução climática
A adição de árvores nativas às terras agrícolas apoia a biodiversidade, melhora a subsistência dos agricultores, e enfrenta a crise climática.
Drew Terasaki Hart, Susan Cook-Patton, Edenise Garcia, Rémi Cardinael, Starry Sprenkle-Hyppolite e Todd Rosenstock
Imagine uma pequena fazenda que restaurou suas terras degradas com as mais diversas árvores frutíferas nativas e agora se parece com uma pequena floresta. Isso é um sistema agroflorestal na Amazônia brasileira, que você pode encontrar em algumas propriedades agrícolas em São Félix do Xingu, no estado do Pará, Brasil.
Existem muitos tipos diferentes de sistemas agroflorestais no mundo, desde cercas vivas de que alimentam o gado, até de culturas de cacau intercaladas com outras espécies. Alguns sistemas refletem antigas práticas indígenas e tradicionais, enquanto outros são adaptados para objetivos agrícolas comerciais em larga escala.
Apesar da diversidade, todos os sistemas agroflorestais têm uma característica comum: árvores que são incorporadas e mantidas em paisagens agrícolas. Essas árvores podem ajudar a enriquecer o solo, impulsionar as safras, proteger as colheitas e o gado dos extremos climáticos, diversificar a renda dos produtores e apoiar a proteção da biodiversidade.
Existe também uma grande esperança de que os sistemas agroflorestais possam demonstrar ser um valioso aliado no combate à mudança climática, proporcionando a remoção de até 0,31 bilhão de toneladas de carbono por ano. Apesar desse potencial, a agrofloresta focada no clima é subvalorizada.
Nosso estudo, recentemente publicado na Nature Climate Change, também constatou que nem todos os sistemas agroflorestais ajudam a enfrentar a mudança climática. A figura abaixo mostra que o fato de a agrofloresta representar ou não uma solução climática natural depende do estado natural da terra e de como ela foi manejada anteriormente.
Reduzir uma floresta natural para implantar cultivos lançaria carbono na atmosfera e plantar muitas árvores em pastagens nativas poderia causar danos à biodiversidade. Então, o que é um bom sistema agroflorestal focado no clima? Devolver espécies de árvores nativas à terra que foi convertida para a agricultura. Quando substituímos terras agrícolas degradadas por sistemas de cultivo de cacau à sombra em uma área que antes era uma floresta, como a Amazônia brasileira, por exemplo, podemos proporcionar benefícios climáticos substanciais, bem como melhores meios de subsistência para as comunidades locais.
Quote: Drew Terasaki Hart
ASSISTA: AGROFLORESTAS NA PRÁTICA
Para alcançar o potencial das agroflorestas como solução climática, juntamos especialistas de diversas organizações do mundo para identificar como precisamos avançar.
Primeiro: precisamos de um entendimento melhor sobre o potencial climático das agroflorestas.
Não temos estimativas de qualidade sobre o potencial de mitigação de sistemas agroflorestais específicos. Mesmo as melhores estimativas disponíveis do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e outros são muito vagas. Constatamos, por exemplo, que pode ocorrer uma variação de até 100 vezes entre sistemas silvipastoris. O sistema silvipastoril combina árvores e pastagens e pode aumentar a produção mediante a proteção do gado contra o calor extremo. Tendo em vista que os sistemas silvipastoris podem variar desde uma ou algumas árvores em um campo até uma cobertura florestal completa, um único valor médio de carbono nunca será suficientemente preciso. A solução para esta importante lacuna científica é melhorar a medição e os relatórios, bem como reunir o imenso volume de informações que já existe. Essas informações estão atualmente espalhadas em centenas de trabalhos científicos, o que torna difícil para agricultores e tomadores de decisão obterem informações robustas sobre quanto carbono pode ser armazenado em árvores e solos nos sistemas agroflorestais. Estamos trabalhando nisso, portanto, fiquem atentos!
Segundo: precisamos de mais informações sobre onde os sistemas agroflorestais do mundo são encontrados.
Ainda não sabemos onde estão todos os sistemas agroflorestais bem-sucedidos. Nosso trabalho demonstrou que os mapas de agrofloresta existentes não incluem alguns dos sistemas agroflorestais mais ricos em carbono do mundo. Felizmente, métodos novos e emergentes de sensoriamento remoto estão cada vez mais preparados para ajudar a mapear e monitorar os sistemas agroflorestais. Entretanto, esses métodos precisam ser treinados com relação aos locais de agrofloresta conhecidos, e nossa análise constatou que menos da metade dos 465 artigos científicos que revisamos mencionavam lugares com o nível de precisão suficiente para serem utilizáveis. Informações mais precisas sobre geolocalizações realmente ajudariam a acelerar o mapeamento das agroflorestas, o que melhoraria nosso entendimento sobre quanto carbono é retido nesses sistemas e onde eles poderiam ser ampliados para oferecer mais mitigação das mudanças climáticas.
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Terceiro: precisamos dos incentivos corretos nos locais certos para permitir a expansão da agrofloresta como solução climática.
Finalmente, descobrimos que a adoção, a ambição e o potencial das agroflorestas não estão distribuídos uniformemente em todo o mundo. Alguns países, especialmente da África, estão na vanguarda, mas ainda há muito espaço para expansão com os projetos e incentivos certos, especialmente no norte global. O ímpeto está crescendo. A The Nature Conservancy e vários parceiros, por exemplo, receberam do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos uma doação de US$ 60 milhões para promover a agrofloresta em 29 estados.
Estamos na década da ação e a ciência é clara ao dizer que as práticas agroflorestais representam uma promessa inestimável para ajudar a mitigar a mudança climática e, ao mesmo tempo, melhorar os meios de subsistência dos agricultores e a sustentabilidade. Contudo, como nosso trabalho demonstra, precisamos de um impulso conjunto de vários setores para colocar em prática o potencial da agrofloresta.
Com as terras do mundo cada vez mais pressionadas pela procura de alimentos, fibras e combustível, precisamos saber como atender a essas demandas e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de carbono para evitar os piores efeitos da mudança climática. A agroflorestaé a solução para ambas. É é hora de impulsioná-la.
Esta iniciativa reuniu importantes cientistas de várias organizações reconhecidas internacionalmente que estão procurando tornar a agrossilvicultura uma solução climática em escala. Embora liderada pela The Nature Conservancy, a iniciativa tornou-se possível graças à colaboração com cientistas da Princeton University, CIRAD, Agroscope, University of Missouri, International Center for Tropical Agriculture, Conservation International, World Resources Institute, World Agroforestry Centre, Yale University. Uma doação da Bezos Earth Fund para a The Nature Conservancy subsidiou este trabalho.