Califórnia, EUA. Uma revoada de Gansos-das-neves voando em migração. © Jassen Todorov /TNC Photo Contest 2019

Artigos e Estudos

10 Passos para um acordo transformador para a natureza

A cúpula de biodiversidade da ONU é uma chance de redefinir nossa relação com a natureza.

A Terra é vasta, mas também é finita. À medida que o desenvolvimento humano se expandiu para atender às necessidades de uma população crescente, grande parte da natureza se perdeu ou foi degradada. Essa degradação é um importante agente nas mudanças climáticas e na perda de espécies, e ambas as crises representam sérias ameaças às pessoas.

Os cientistas falam em pontos críticos letais e imagens recentes de incêndios, animais selvagens feridos e evacuações urgentes na Austrália indicam que o delicado equilíbrio da natureza pode entrar em desarmonia dentro de um prazo relativamente curto. Precisamos urgentemente redefinir e reverter essas tendências - mas isso exigirá ampla colaboração e investimentos. Esse trabalho é grande demais para os ambientalistas fazerem sozinhos.

Nesse cenário, representantes dos governos do mundo inteiro se reunirão para a Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (CDB) em Kunming, China. É um momento crucial para os países que fazem parte da CDB para atualizar e redobrar os compromissos que compartilham para a natureza. Mas, para serem realmente transformadores, esses compromissos devem envolver funcionários-chave de finanças, planejamento, transportes, energia e agricultura, pessoas que têm influência política e econômica para impulsionar mudanças transformacionais que entrelaçam a preservação da natureza com sistemas políticos e econômicos.

Antes desta cúpula crucial, a The Nature Conservancy tem 10 recomendações principais à CDB para criar um novo acordo para a natureza. Desafiador? Sim. Possível? Tem que ser.

1. Proteja o que há de melhor: Conserve os remanescentes em estado natural

A The Nature Conservancy (TNC) apoia um novo acordo para a natureza que exige que 30% dos oceanos, da terra e água doce sejam manejados como ecossistemas naturais intactos e totalmente funcionais. Atualmente, chegamos a quase 17% - uma meta previamente acordada, mas grande parte dessa proteção está em áreas como desertos e montanhas geladas que abrigam menos biodiversidade e para começar, eram alvos improváveis de desenvolvimento. Novas proteções devem ser colocadas em áreas cientificamente identificadas como tendo um maior valor de conservação e que representam a biodiversidade do planeta.

E não basta desenhar linhas em um mapa - precisamos melhorar o design, o manejo, o financiamento e a interconectividade dessas áreas críticas que sustentam a todos nós.

2. Recupere outras áreas: Restaure os habitats perdidos e reduza nossos impactos

Os cientistas agora calculam que a humanidade já deixou uma marca significativa em aproximadamente metade das áreas da Terra que estão além das regiões polares, assim como na maior parte dos oceanos do mundo. Nesses locais, precisamos melhorar a quantidade, a qualidade e a resiliência dos ecossistemas parcialmente modificados - onde, por exemplo, urbanizamos ou derrubamos florestas - para sustentar a biodiversidade da Terra e os serviços críticos que ela fornece. Essencialmente, isso significa proteger a natureza em áreas não-selvagem, como cidades e propriedades. Reduzir nossos impactos nessas áreas é talvez o maior empreendimento de todos, pois elas representam a maior parte da superfície da Terra com a qual contamos para nossa alimentação, moradia, energia e outras necessidades.

Sim, ainda precisamos produzir mais alimentos e construir mais infraestrutura à medida que a população mundial cresce - mas um novo acordo para a natureza exige que façamos isso de maneira inteligente e sustentável.

 

Mölsheim, Germany.
Manejando o que está no meio. Precisamos proteger a natureza em áreas não-selvagem a fim de sustentar a biodiversidade da Terra e os serviços críticos que ela fornece. © Karsten Wurth

3. Cultivo para o futuro: Estimule a produção sustentável

Este é um dos maiores passos que podemos dar. Quando se trata de crises climáticas e de biodiversidade, o setor agrícola faz parte do desafio e é, também, uma solução em potencial. As melhores abordagens para a agricultura moderna trabalham com a natureza e promovem uma relação mutuamente benéfica entre os alimentos que produzimos e os processos ecológicos (como a regeneração do solo e a recarga de aquíferos) que os sustentam. Ainda assim, o desmatamento, práticas agrícolas inadequadas e outros usos da terra levaram a uma degradação que vai de moderada à alta de 40% da terra nas bacias hidrográficas de fontes urbanas do mundo - uma estatística preocupante, já que se espera que a demanda por alimentos aumente em 70% até 2050.

Um novo acordo para a natureza exige que canalizemos a agricultura para terras já desmatadas ou degradadas e aumentemos a produtividade por meio de práticas agrícolas restauradoras e regenerativas. Isso inclui a adoção de práticas que melhoram a saúde do solo e a qualidade da água, limitam o excesso de agroquímicos para pragas e nutrientes e diversificam nossas paisagens agrícolas. Isso significa empregar práticas como agroflorestas, interculturas e rotações de culturas, limitar o tamanho dos campos, cercas vivas, integração lavoura-pecuária-floresta por sistemas silvipastoris, manejo preciso de nutrientes e manutenção de habitats naturais e seminaturais. Tais práticas não só aumentam a produtividade, mas também melhoram o potencial da terra como sumidouro de carbono e habitat para a vida selvagem.

Também precisamos observar com clareza os atuais subsídios agrícolas e o impacto que eles têm na natureza. De acordo com um relatório da Food and Land Use Coalition, a sociedade fornece mais de US$ 1 milhão por minuto em subsídios agrícolas globais. E, embora esses subsídios venham da nobre intenção de melhorar a segurança alimentar e apoiar os meios de subsistência, muitas das práticas que eles financiam em escala estão impulsionando a crise climática e a destruição da vida selvagem. É um desafio complexo, mas os subsídios agrícolas não precisam ser destrutivos, eles também podem ser redirecionados para apoiar práticas agrícolas amigáveis à vida selvagem, como agroecologia ou uso mais sustentável de água e práticas do solo.
Ao dar incentivo às empresas para que provem que não estão convertendo os habitats ou usando os recursos de modo ineficiente, podemos obter grandes ganhos para a natureza.

4. Como construir e o que usar: Garantir ganho líquido e não perda líquida para a natureza

As economias em desenvolvimento precisam de infraestrutura e a produção econômica global provavelmente dobrará nas próximas duas décadas. Espera-se que trilhões de dólares sejam investidos em novos projetos de energia, mineração e infraestrutura em todo o mundo. São projetos que, se mal localizados, podem ser prejudiciais à natureza e às pessoas.

Porém, há um caminho mais inteligente e tudo começa com um melhor planejamento. Novos projetos podem se estabelecer e serem idealizados de maneira a minimizar os impactos à natureza, como construir em terras já degradadas, sempre que possível. Onde a infraestrutura danifica a natureza, devemos contrabalançar esse impacto apoiando a “economia de restauração” e compensar sesse danos fazendo um investimento comparável ou maior na conservação de outras terras - contribuindo para um ganho líquido em biodiversidade.

Evitar habitats críticos, minimizar os impactos nos lugares que construímos e compensar a natureza por meio da conservação e restauração dos impactos residuais devem fazer parte do nosso novo acordo para a natureza.

 

An aerial view of an exchange in Shanghai.
Desenvolvimento inteligente. O novo desenvolvimento pode ser construído de maneira a minimizar os impactos à natureza, como se localizar em terras já degradadas, sempre que possível. O aumento do financiamento para o manejo da biodiversidade urbana e da vida selvagem ajudaria a proteger a natureza nessas áreas negligenciadas. © Denys Nevozhai

5. Nosso futuro urbano: Planeje as cidades para esse século e além

Com quase 70% da população mundial vivendo em áreas urbanas até 2050, as cidades precisam crescer para acomodar os recém-chegados, e isso pode pressionar os ecossistemas naturais. Algumas prefeituras já estão integrando a proteção da biodiversidade em seus planos de desenvolvimento futuros, mas um novo acordo para a natureza deve estabelecer incentivos nacionais para soluções baseadas na natureza em áreas urbanas. Medidas que protegem a biodiversidade e melhoram a vida dos residentes, tais como investir na proteção de áreas úmidas para mitigação de inundações naturais, manejo aprimorado de águas pluviais e ar de qualidade. O aumento do financiamento para a gestão e administração da biodiversidade urbana e da vida selvagem também ajudaria a proteger a natureza nessas áreas negligenciadas.

Para o bem da natureza e dos moradores das cidades, cujas comunidades e saúde dos indivíduos se beneficiam muito de espaços verdes, um novo acordo para a natureza deve considerar também as paisagens urbanas.

6. A natureza é água: Restaure os rios

Em muitos lugares a escassez de água doce é uma das mais graves ameaças às pessoas e à natureza. Precisamos integrar abordagens baseadas na natureza para o saneamento, águas residuais e manejo de águas pluviais em qualquer novo acordo para a natureza. Proteger e restaurar a função do ecossistema nas bacias hidrográficas não apenas beneficia a natureza, mas também dá acesso à água potável.

Mas temos que ir além das bacias hidrográficas e também planejar em escala para os sistemas fluviais. Isso pode significar remoção de barragens e mudança para fontes renováveis de menor impacto, como energia eólica e solar, para melhorar a função ecológica dos rios em escala de bacia.

Quando restauramos a saúde e a conectividade dos sistemas fluviais, as pessoas e a natureza se beneficiam.

Morning sunlight illuminates the mist at the base of a waterfall in Washington, USA
Planejamento de bacia em escala. Proteger e restaurar a função do ecossistema em bacias hidrográficas não apenas beneficia a natureza, mas também dá acesso a água potável. © Patrick McDonald/TNC Photo Contest 2019

7. Molde o futuro das florestas

As florestas antigas e os manguezais são reservas naturais de carbono particularmente poderosas, além de um habitat precioso para a vida selvagem. Mas o desmatamento rápido, a fragmentação e degradação florestal, a caça e a chegada de espécies invasoras de outros habitats continuam ameaçando esses ecossistemas críticos. Especialmente nos trópicos ricos em biodiversidade, devemos nos empenhar pelo desmatamento zero, reflorestar em escala e exigir que 100% das florestas de produção sejam manejadas de maneira sustentável. Também podemos ajudar florestas e pessoas a prosperarem. E as florestas prosperam com o aumento do acesso a fontes de energia sustentáveis, o que reduz a demanda por madeira.

Centenas de empresas se comprometeram a eliminar o desmatamento de suas cadeias de suprimentos, mas ainda são necessárias mais ações para diminuir as mudanças climáticas e proteger a vida selvagem.

8. Ação Marítima: Proteja maneje, sustente

Os oceanos nos dão vida: fornecem metade do oxigênio que respiramos e até o momento, absorveram um quarto de nossas emissões de carbono, além de 90% do excesso de calor retido por essas emissões. Também alimentam bilhões e abrigam cerca de 50 a 80% de todas as espécies da Terra.

Mas os serviços que os oceanos fornecem têm um custo alto. Para preservar e restaurar ecossistemas marinhos saudáveis, precisamos criar áreas protegidas ao longo das costas e no alto mar - refúgios seguros onde a natureza pode se regenerar e se fortalecer contra as mudanças climáticas e outras ameaças, como a pesca industrializada. No entanto, um novo acordo para a natureza deve não apenas criar áreas mais protegidas, mas também aplicar medidas que eliminem a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU), reformar subsídios danosos à pesca e incentivar a infraestrutura natural para a restauração costeira.

No oceano, como em terra, devemos proteger os habitats naturais e manejar de maneira mais sustentável as áreas e recursos que extraímos deles.

A baby Kemp's Ridley sea turtle is released and heads for the ocean, Padre Island, Texas.
A Revolução Azul. Para preservar e restaurar ecossistemas marinhos saudáveis, precisamos criar áreas protegidas ao longo das costas e no alto mar - refúgios seguros onde a natureza pode se regenerar e se fortalecer contra as mudanças climáticas e outras ameaças, como a pesca industrializada. © Carlton Ward Jr.

9. Financiando o futuro

O risco que a falta de ação contra as mudanças climáticas e a perda da natureza está amplamente catalogado: O que é menos claro é como mobilizamos fundos e instituições para retificar e corrigir o curso. Para ressaltar como financiamos uma transformação para a natureza, o Instituto Paulson, a TNC e a Universidade de Cornell apresentarão um roteiro de políticas, mecanismos e incentivos para fechar a lacuna financeira global para a conservação da biodiversidade. Este relatório mostrará como podemos gerar os recursos e a vontade política necessários para proteger e conservar a natureza - e como reduzir a necessidade de financiamento para a conservação, impedindo a degradação em primeiro lugar.

Com a economia global valendo mais de US$ 80 trilhões em 2017, as várias centenas de bilhões necessárias para garantir um planeta saudável são um preço relativamente pequeno a pagar.

10. O mundo natural está à procura de líderes

Se a natureza fosse um país, quem o comandaria? Quem está reunindo as tropas, estabelecendo padrões, fazendo mudanças ousadas e regulamentares, tributando os maus, recompensando os bons e reformulando nosso relacionamento com o mundo natural? Um novo acordo para a natureza exigirá defensores visionários ousados que possam elevar o status quo e progredir no curto prazo, mas também reformular nossa trajetória de longo prazo para que sejamos mais sustentáveis.

A Nova Zelândia criou um orçamento de bem-estar que precifica a criação de uma economia de baixo carbono e também concedeu entidade legal a uma paisagem e a um rio. Algumas economias importantes, incluindo o Reino Unido, lideraram esforços contra mudanças climáticas ao se comprometerem a zerar as emissões de carbono até 2050. Também vimos liderança no nível corporativo por capitães do setor, como Danone e Unilever.

Mas precisamos de mais. Mais pessoas, empresas e governos se comprometendo com ações em uma escala que o mundo ainda não viu e da qual nunca precisou tanto.

  • TNC sobre a Estrutura Global de Biodiversidade

    PDF

    Leia a Resposta da The Nature Conservancy sobre o Rascunho Zero da Estrutura Global de Biodiversidade.

    Baixar